A influenciadora digital e empresária fundou o blog de moda, há 17 anos, e diz que sofreu preconceito pela profissão ainda nova num mercado de publicidade dominado por homens.
Para Camila Coutinho, o conceito de sucesso foi mudando com o tempo. E o mais importante hoje é fazer o que se gosta e buscar ser feliz.
Ela conversou com Eleutério Guevane e Monica Grayley.
ONU News: Você está cooperando com o Pacto Global, que reúne centenas de empresas, e eu perguntei a você sobre se sua linha é mais especializada em homens, mulheres. Você disse: ‘é para todos, para quem tem cabelo’. É por essa linha que a gente deve seguir, na sua luta como embaixadora, igualdade de gênero também?
Camila Coutinho: É. Eu acho que existe uma palavra muito simples e complexa que é o respeito. Se todo mundo respeitasse as decisões dos outros, os limites dos outros, a existência, as ideias, eu acho que falta um pouco deste meio termo atualmente: das pessoas escutarem umas as outras. Eu faço o que eu faço há 17 anos. Tudo começou com um blog, o “Garotas Estúpidas”. Eu sempre contratei muitas mulheres para o meu time, mas sempre de uma maneira muito natural. Então, a gente fala muito sobre empoderamento, da maneira como a gente pode contribuir. Mas sempre da maneira que é do time, um sonho de naturalidade de um dia o mundo chegar nessa realidade. De uma maneira natural.
Então, mesma a coisa com a linha de cabelo. A gente trabalha muito para as mulheres, visualmente, mas é para quem tem cabelo e quer usar.
ON: E o nome Garotas Estúpidas. De onde nasceu esse nome? Quando eu vi, GE, eu pensei: garotas espertas. Mas não é. De onde nasceu?
CC: Nasceu, na verdade, de uma brincadeira. Quando eu comecei, eu falava muito de celebridades e de cultura pop. E aqui, nos Estados Unidos, estava muito na época da Paris Hilton, dessas celebridades que eram muito “zoadas” pela mídia aqui. E até uma cantora fez uma música chamada Stupid Girls. E, hoje, muitas dessas meninas construíram os businesses delas, as empresas delas. São referência. E eu sempre vi como as pessoas colocavam para baixo.
Como se os temas femininos fossem menos importantes, fossem assuntos fúteis. E eu acho que o humor é uma maneira muito interessante de falar de assuntos importantes, de tocar as pessoas nesse sentido. Então, tinha essa música, eu coloquei “Garotas Estúpidas” no blog como essa ironia do bem. Como: aqui é o lugar para a gente falar do assunto que a gente quiser, sejam tachados como femininos ou não. E é um espaço, tema livre aqui para a gente se divertir e falar do que a gente gostar. E a futilidade é uma coisa muito relativa, né? A futilidade e a utilidade.
ON: Então foi uma ironia. Nesse caso, as garotas são espertas e inteligentes?
CC: Opa. (Risos).
ON: Tudo está mudando por causa de um aparelhinho (celular). Você hoje é influencer e esta grande celebridade que está chegando a todas as partes do mundo por um aparelho. Que desafios que você vê que pode ser vencido, de causas que você abraça, como igualdade de gênero, por causa deste aparelho?
CC: Esse aparelhinho aí é uma coisa maravilhosa e uma coisa que a gente tem que olhar com muita atenção. É muito precioso e muito legal a gente ver as portas que se abriram por isso aí dar voz para as pessoas, sem limite geográfico. Então, a gente via pouca diversidade de sotaques, diversidade de todos os tipos. E hoje, em dia, as pessoas têm como falar na primeira pessoa e elas controlam a narrativa delas. Então isso abriu, de maneira escancarada, e vamos juntos com força, uma diversidade maior. Uma porteira de diversidade. Porém, esse aparelhinho e tudo que a gente tem acesso, atráves dele, mexe muito com nossa cabeça. É feito para a viciar, né? Ativa a dopamina, ativa hormônios que mandam no nosso corpo e na nossa cabeça. Então, é muito importante que se fale sobre saúde mental. E que se fale dos limites e que se fale do quanto a gente é responsável por observar a nossa saúde mental. Por mais que as pessoas, nossa família, nossos amigos, nossos parceiros estejam perto da gente, amem a gente. Só a gente pode se observar e falar: ‘Não. Eu preciso me cuidar melhor aqui. Vou cuidar da minha cabeça.’ Isso está na nossa cabeça. Então, eu acho que para o mundo conviver, cada vez mais, e de uma maneira melhor, além de tudo que vocês falam e a gente aborda no dia a dia. O autocuidado, nesse sentido de a gente se observar, e cuidar da nossa cabeça, sem a paz interior, você não faz coisas boas para o mundo. Então aí está a chave de muita coisa, nesse sentido, na minha opinião.
ON: Você acha que as mulheres estão sob uma pressão maior nesse sentido? Ou ela é igual para homens e mulheres?
CC: Em que sentido? De saúde mental?
ON: Exato. E sobre isso que você acabou de falar, das redes sociais, de você ter um certo padrão que tem que seguir…
CC: Ah, acho que sim. A mulher, a gente tem um histórico de ter muito o nosso valor pautado pelo tempo. Isso é muito injusto assim. Se fala de envelhecimento de uma maneira muito específica com mulheres do que com homens. Então, o cabelo branco tem um peso na mulher, um peso para o homem. Isso é muito complicado. E atinge muito mais a gente diretamente em termos visuais porque é uma ferramenta visual. Então ao mesmo tempo que dá voz, a gente vê um mundo, hoje em dia, com muitos extremos. Então você vê as pessoas pregando por naturalidade, beleza natural. E ao mesmo tempo, tem tanta gente que vai ao médico e leva a foto de outra pessoa para poder fazer os procedimentos. Então, a gente vive hoje em dia num mundo de extremos, e respondendo a sua pergunta: sem dúvida, as mulheres sofrem mais diretamente, mas acho que cada um cuidar de si já é um bom caminho para começar.
ON: Eu vou deixar a última pergunta com o Eleutério. Mas queria saber sobre a questão de vencer barreiras. Aliás, você está “fazendo história por ser a primeira mulher a ser entrevistada no Podcast ONU News, sugestão da nossa produtora Rogéria Vianna. Mas, o segundo entrevistado que foi o Felipe Neto falou sobre preconceito linguístico. Eu queria abordar com você um pouquinho mais sobre não só preconceito linguístico, mas também o preconceito geográfico que você acabou de abordar, que é uma mulher jovem que sai do nordeste do Brasil e vai para São Paulo, uma cidade grande. Quais foram as dificuldades que você encontrou no começo?
CC: Para ser bem honesta, eu sempre tive o grande privilégio de não. Assim, era muito mais um preconceito com a minha profissão porque não era influenciadora, naquela época era blogueira e tinha muita resistência porque ninguém gosta que mexa no dinheiro, né, gente? E aí, a gente mexia nos budgets de publicidade de mercado. Então, o mundo é muito pautado por isso. E tem que tratar a realidade dos fatos, né? Então eles escanteavam a gente, os veículos maiores e queriam saber quem eram “essas garotas que estão pegando os nossos budgets?” E a gente era meio excluído assim, sabe?
ON: E como era essa reação na prática?
CC: Na prática, para mim, não era muito difícil de lidar porque era uma coisa muito nova. Eu nunca tinha tido acesso a essas coisas mesmo então eu só fui em busca do meu sucesso, aos pouquinhos, sabendo navegar na realidade do que eu estava vivendo ali. E em termos geográficos eu nunca enfrentei nenhuma dificuldade além dessa porque eu também nasci num lugar muito privilegiado. Não só culturalmente, mas tive muitas chances de estudar em lugares bons e estudar inglês… Sempre viajei. Meu pai.
Eu tenho outro privilégio que tem que ressaltar aqui. A família dá apoio. Sempre tive muito apoio dentro da minha casa. Isso é uma coisa que faz muita diferença. Tem gente que tem recurso e não tem apoio. Então, eu sempre fui colocada assim. Vai, você é capaz. Faz o que você quiser. Então eu já cheguei neste outro lugar construí grande parte da minha carreira morando no Recife. E acho que me dá uma perspectiva maravilhosa do que é o Brasil. Porque, às vezes, as pessoas nascem em grandes metrópoles como São Paulo e não têm noção porque o Brasil é gigante. Tem muito além do sudeste e do sul… E eu sempre tive essa noção porque eu nasci no nordeste então isso sempre me ajudou muito. Então, além desse preconceito com a profissão influenciadora, eu não lembro de ter tido resistência tão nítidas assim. Um grande privilégio. E eu só ia… Tem gente que diz que eu sofri, mas não senti porque estava tão focada… A Joyce Pascowitch me disse isso. Pode ser. Mas eu só fui indo, fui indo, fui navegando.
ON: Uma pergunta: Você está numa cidade que é das que mais gosta. Você é influenciadora, não tem nada a ver com seu sonho. Você queria cantar em inglês, queria ser jogadora, queria ser atleta. Mas você tem sucesso. Mas o que diria às jovens para quem você fala sobre igualdade de gênero? Qual é o limite? O que mundo abre, o que vem pela frente?
CC: Que pergunta maravilhosa. E nunca ninguém me fez. Esse sonho que você falou sobre jogadora de vôlei, eu queria ser tanta coisa. Era o meu sonho de criança. Eu queria ser tanta coisa, eu queria cantar em inglês porque eu via a Corona, no Brasil. Era meu sonho de criança e eu não sabia. Tinha um pouco ali do que eu faço hoje porque é uma profissão em que você se coloca muito. Eu acho que parte do princípio dos pais, ou quem estiver educando, não limitar. Ser um ponto de clareza para os seus filhos, mas ao mesmo tempo sem limitar e colocar impossibilidade porque o mundo não tem limites, hoje em dia, no sentido de possibilidades. Se a reinvenção era uma característica muito particular da minha profissão “internet”, hoje em dia a reinvenção pauta o mundo. Quem não se reinventa, eu nem sei o que pode acontecer. Então, todas as profissões desde medicina, direito, tudo está se reinventando. Então não tem muito limite. A partir de agora, muitas profissões vão surgir, que não existiram, e as funções ali vão se reinventar. Então é muito importante que os pais e o sistema educacional também tenham isso em mente na hora deixar o cérebro das crianças fresquinho e adaptável, sabe? Não ser duro. Então eu acho que nesse ponto, é isso que eu digo. E no meu ponto Camila, eu acho que a definição de sucesso é uma coisa que mudou muito nos últimos tempos. E para mim, existe a questão financeira, é óbvio. Todo mundo gosta de viver num mundo capitalista, né? De ter seu dinheiro e fazer as coisas de que se gosta, mas eu acho que o mais importante é você viver para o que você gosta. Então assim, viver a vida que você quer, que você pensou sozinho. E você falou: É isso que eu quero.
Ninguém tem a obrigação de ser milionário, bilionário. De ter isso ou ter aquilo. Não. Cada um tem o seu conceito de sucesso e de viver bem. Eu acho que é sobre você chegar num ponto de maturidade e de se conhecer, e de você definir: isso me faz feliz. E aí você trabalha para viver a vida que te faz feliz.
ON: Obrigação de ser feliz. Esta é a mensagem de Camila Coutinho aqui no Podcast ONU News. Muito obrigada, Camila.
Fonte: Organização das Nações Unidas