No alto de seus 98 anos de idade, Dalton Trevisan se mantém firme em suas convicções. Principalmente de não dar entrevistas e fugir do público, vivendo de maneira reclusa. Mas, de vez em quando, ele pode ceder.
É o caso de “Sonata ao luar”, estreia não-oficial desse escritor paranaense no universo ficcional. Desde 1945, quando foi publicado pela primeira vez, tal livro nunca havia sido reeditado novamente. Até agora. Não é que a editora curitibana Arte & Letra (dos irmãos Tizzot) conseguiu a proeza?
Trata-se de uma novela que reúne temas, personagens e a escrita precisa de Trevisan, revelando 78 anos atrás o talento do autor. Vale lembrar que ele é conhecido por obras como “O vampiro de Curitiba”, “Cemitério de elefantes” e “Novelas nada exemplares”, só para ficar em alguns deles, numa produção vasta e marcante.
Aliás, o curitibano se destaca nacionalmente no gênero do conto, principalmente a partir da segunda metade do século 20 e se estendendo até os dias de hoje. Nas últimas décadas, ou desde sempre, Trevisan fez do “miniconto” seu lugar preferido, chegando a produzir textos de cinco ou três linhas, amplificando a arte da concisão e a linguagem ácida e irônica.
Em tiragem limitada, “Sonata ao luar” (200 páginas, R$ 98) foi publicada de forma artesanal, com capa em tecido e tipografia e guarda com papel marmorizado. É uma preciosidade com trabalho da Tipografia Gapski e Célia Porto Papel Marmorizado.
“A Gapski foi a encarregada da distinta tarefa de estampar a capa da reedição do livro ‘Sonata ao Luar’, do escritor curitibano Dalton Trevisan. O livro, pulicado uma única vez em 1945, vai ganhar uma reedição pela Arte e Letra – Editora e Livraria artesanal queridinha dos curitibanos – com tiragem limitada de 150 exemplares”, disse a tipografia, por meio de suas redes sociais.
A capa tem um desenho do escritor Franz Kafka, substituindo a zincogravura de Guido Viaro do original.
Nem bem a Arte & Letra divulgou em suas redes sociais a chegada do livro à pequena livraria localizada em Curitiba, na última sexta-feira (17), e já consta no site dessa casa editorial que a tiragem de apenas 150 exemplares se esgotou.
Trajetória
Aos 20 anos de idade, Trevisan lançou “Sonata ao luar” em 1945, em tiragem de 200 exemplares.
Mas, em poucos anos, essa novela foi renegada pelo escritor, assim como a seleção de contos “Sete anos de pastor”, de 1948. Hoje, os raros exemplares da 1ª edição dessa novela lançada há 78 anos são vendidos a preços acima de mil reais em sites como o Estante Virtual.
Ao jornal Folha de S.Paulo, a assistente de Trevisan, Fabiana Faversani, explicou que o curitibano renega todos os seus textos mais antigos. Inclusive, toda a sua obra já passou por quatro fases de recriação, incluindo o clássico “O vampiro de Curitiba” (1965), que já foi revisado mais de 40 vezes.
Antologia
Em 2023, Dalton Trevisan está na boca de leitores e leitoras. Em abril passado, a editora Record já havia lançado “Antologia pessoal” (448 págs), que reúne 94 contos selecionados pelo próprio autor.
“Com prefácio do crítico Augusto Massi, esta ‘Antologia pessoal’ proporciona, ao mesmo tempo, um rito de iniciação aos novos leitores e, àqueles que já são íntimos do Vampiro de Curitiba, um inventário de suas melhores histórias”, diz a editora.
“Neste novo autorretrato, a mais ampla e representativa de suas antologias, reúne contos de ‘Novelas nada exemplares’ (1959) até ‘O beijo na nuca’ (2014), deixando antever suas referências literárias, as diferentes formas narrativas que adotou ao longo da carreira e o ‘bazar poético’ – nas palavras de Augusto Massi – de suas frases e aforismos”, complementa a Record.
Autor
Dalton Trevisan nasceu em Curitiba, em 1925, e se formou como advogado pela Faculdade de Direito do Paraná (atual Universidade Federal do Paraná). Ainda estudante, já publicava alguns contos em folhetos e, entre 1946 e 1948, fundou a revista Joaquim, um dos mais impactantes periódicos culturais do Paraná.
Teve sua estreia oficial como escritor com a publicação da coletânea de contos “Novelas nada exemplares”, vencedora do Prêmio Jabuti de 1960. Venceu mais três Jabutis, além de outros prêmios igualmente importantes, como o Prêmio Machado de Assis, o Prêmio da Biblioteca Nacional, o Portugal Telecom (atual Oceanos) e o Prêmio Camões, em 2012 (pelo conjunto da obra).
Sua obra já foi adaptada para o cinema (“A guerra conjugal”, de 1975, com direção de Joaquim Pedro de Andrade) e para o teatro (em espetáculos dirigidos por nomes como Ademar Guerra, Marcelo Marchioro, Felipe Hirsch e João Luiz Fiani), e seus livros já foram traduzidos para diversos idiomas, como inglês, espanhol e italiano.