Adultos são crianças brincando de política

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Recolhido na torre de seu castelo, abatido pela velhice e melancolia do espírito, engendrado no projeto de compor os seus Ensaios, o filósofo Michel de Montaigne, sabiamente escreveu: “fora das exigências da guerra, não desejo nenhum mal a meus inimigos, com isso me alegro, pois vejo comumente assumirem atitudes opostas: há aqueles que estendem seu ódio além da causa que o motiva, como costumam fazer os homens, mostram que defendem outra coisa e por razões de ordem pessoal” (E III, X) – pois bem, dito isso, cabe rememorar sinteticamente o trágico episódio ocorrido no último sábado, em Foz do Iguaçu: ao que tudo indica, motivado por idolatria política, um bolsonarista, invadiu armado uma festa de aniversário com temática petista e deu cabo da vida do próprio aniversariante. No entanto, o assassino também foi alvejado e encontra-se nesse momento, gravemente ferido.

A repercussão do caso segue no mesmo embate de sempre, os políticos da esquerda lamentam a morte do petista, os da direita tentam isentar-se da culpa e do discurso inflamado. O próprio Jair Bolsonaro, foi ao Twitter para mostrar que não admite violência entre os seus militantes, embora, já tenha ele próprio dito, anos atrás, que seria bom “metralhar a petralhada”. Todo mundo que está atento a política, sabe que até aqui, só expus carta marcada. Nenhuma novidade. Para mim, pouco importam os fatos, vou direto para as digressões e especulações filosóficas, ou seja, para o fundo da coisa.

Voltemos as palavras de Montaigne e veremos dois homens doentes e sem personalidade. Um deles tem de comemorar seu aniversário, ao mesmo tempo que idolatra um político, o outro, vai ainda mais longe e não compreende a liberdade alheia. É certo que é direito do ser humano, adorar, cultuar e comemorar como quiser, desde que não infrinja nenhuma injustiça a outrem. Isso não significa, no entanto, que suas ações não possam ser doentias. Comemorar um aniversário com temática petista é exercer liberdade, no entanto, é semelhante àquele que por ventura venha a fazer uma festa com a temática da Nike ou da Adidas só porque gosta e admira as roupas e produtos de tal marca (mesmo que não use).

Quando se tratando de aniversário de crianças, comemoramos com temas do Batman, da Frozen, do Mikey, etc., no caso dos adultos, bastaria a comilança, os amigos e a maturidade, no entanto, ele poderia colocar em voga qualquer personalidade para ser exaltada: é seu direito de liberdade, e esse é sagrado. Não está em poder de ninguém feri-lo fisicamente por conta da estranheza das suas escolhas intelectuais ou morais. O que quero aqui, é fazer o leitor tomar consciência da semelhança entre as crianças que cultuam um personagem bobinho e o adulto que cultua um político – poderia até mesmo ser um santo ou um mártir religioso, mas isso levaria o debate para outros meandros, que agora não trato, mas cito só de relance.

Exposta a comparação de convergência entre os adultos e crianças, retornemos à Montaigne, quando nos ensinou logo acima, que por vezes agimos com ódio por conta de motivos de ordem pessoal, ou seja, por motivo que vai além da própria causa que aparentamos defender. Ora, nada me garante que na festa, entre os amigos do falecido aniversariante, não haveriam ciristas ou mesmo bolsonarista; tal como eu poderia ir à festinha da Frozen da minha coleguinha e detestar a música “Let it go” ou mesmo, detestar a própria Frozen, tal como eu detesto, é verdade. No entanto, eu posso aturar a música e a personagem, por conta do respeito que tenho pela minha colega, sendo análogo a isso, eu poder tolerar o meu amigo petista por respeito a ele, mesmo que eu não seja petista. Isso é a democracia, e ela complica mais ainda quando se trata dos filhos e não dos amigos, porque tenho que suportar na minha casa dia após dia o filme da Frozen, ou mesmo, que meu filho torne-se um militante fanático e irracional.

A meu ver, há um problema grave e psicológico, muito mal resolvido, naqueles que cultuam políticos. Parece até mesmo uma tentativa inconsciente de chamar atenção para esses referidos problemas psicológicos. Dizem os psicanalistas, por exemplo, que as crianças sentem que são aquilo que tem, por isso elas vangloriam-se e orgulham-se de terem a festa de tais ou tais personagens: a festinha do Naruto, faz o menino se sentir e ser o próprio Naruto aos olhos dos outros, tal qual, o adulto, fazendo festinha com temática do Lula, mostra aos olhos dos outros, que ele é Lula, ou seja, que é o que tem. Mas ninguém tem os políticos que gostam, tal como as crianças pequenas não entendem que seus personagens são meramente fictícios. Aquele que espera que um político poderá salvá-lo é semelhante à criança, que numa situação de perigo, ingenuamente espera que o Naruto aparecerá para salvá-la.

É óbvio que de problemas públicos, devemos esperar soluções políticas e públicas, mas isso não é suficiente para nos dar legitimidade de perdermos a razão e idolatrarmos aqueles que deveriam simplesmente nos servir – isso só podemos fazer por conta do abatimento da idolatria e irracionalidade, o que é perdoado pelo amor dos amigos e dos familiares, mas não pelos estranhos e menos ainda pelos inimigos. A verdade é que são os políticos que deveriam idolatrar o povo em suas ações e atitudes, nunca o contrário. Nesse sentido, diz Montaigne, no mesmo referido texto, “eu desejo ganhar, mas não perco o juízo se assim não ocorre”.

A política no Brasil é uma disputa de crianças que ainda não foram formadas na escola da filosofia e não compreendem que ideias debatem-se discursivamente. Fizemos dos políticos, os pais que não tivemos ou talvez, a imagem ilusória e mentirosa dos pais que gostaríamos de ter. Por vezes receamos crer nas dores e nas queixas dos nossos filhos, mas cremos cegamente e defendemos tudo o que faz o nosso político preferido. Vincular-se ideologicamente, é praticamente uma questão de existência. É sinalizar para as pessoas a nossa volta aquilo que pensamos.

Para finalizar, cabe dizer que quando essas ações, tomadas pela cegueira ideológica, chegam até a extrema violência física, como foi no caso de Foz do Iguaçu, isso faz tornar evidente o quanto estamos doentes e afogados na ignorância. Uma ação é condenável, porém não injusta, ou seja, é o caso do aniversariante que idolatra seu político de estimação, outra ação é condenável e totalmente injusta, pois houve além da invasão de propriedade, também a violência e o assassinato. Tudo isso poderia ter sido evitado, caso esses homens tivessem dedicado algumas boas horas de suas vidas lendo bons filósofos ao invés de dedicando-se à idolatria e ao discurso banal e simplório dos políticos. Depois temos de ouvir um bocado de gente dizendo por aí: “não sei para que serve a filosofia, me parece que não serve para nada”. A polarização, creio eu, é até saudável, deve acontecer – é assim que a democracia se reajusta –, mas apenas no nível racional, jamais com emprego de violência física, o que é até óbvio, mas que no Brasil, precisa ser dito.

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