Fome, Bolsonaro e Darwinismo

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Inspiração para este texto:

1° – Presidente Bolsonaro afirma que no Brasil não há fome:

Dia 26/08/2022, em um podcast: “não existe fome para valer no Brasil”.

2° – Um dia depois Bolsonaro retrocede nas suas próprias palavras:

Dia 27/08/2022, na Bahia para os seus eleitores: “o Brasil passa fome”.

Dito isso… a minha conclusão…

 

Graças a Deus, nunca passei fome. Mas estou propenso a acreditar que deve ser a maior das dores. Não apenas pela dor fisiológica, mas também pelo aspecto da humilhação. Para o faminto, qualquer cheiro atrai. Imagine só, andar pelas ruas às 18h e sentir o bom cheiro do jantar sendo preparado nos lares, mas ter de se contentar em revirar o lixo e ficar feliz por ter sorte de encontrar uma boa sobra? O faminto sabe que o mundo está cheio de comida, mas que infelizmente, a parte dele é muito pequena. Dirão alguns: ele tem que trabalhar para poder comer, ele tem que transformar sua força de trabalho em resultado; ninguém pode dar comida na boca dele. Está certo, até que concordo. Mas, para sair da superfície, afundemo-nos.

Desconfio muito que o ser humano seja o mais inteligente dos seres terrestres, embora goste de frequentemente se gabar como tal. Termos adquirido a capacidade de refletir, falar, discutir e nos organizarmos politicamente não teria de ser uma vantagem para melhor nos preservarmos? Sim, teria, mas não é realmente o que acontece. A inteligência humana fez crescer a individualidade e isso fez com que perdêssemos cada vez mais o senso de espécie. Não nos vemos como espécie, mas sim como classes: os ricos e os pobres, o senhor e o escravo, o preto e o branco, o bom e o mau. Esse, certamente seria o primeiro passo para restabelecer uma união – nenhum político vai dizer isso, porque eles simplesmente cumprem o papel de pontuarem ainda mais a desunião: o político une-se em seus pares ideológicos, mas não em seus pares humanos. Além disso, é favorável que o desfavorecido pontue essa separação, já que unidos são mais fortes e podem almejar a mudança, mas a questão que quero tratar, definitivamente não é política, mas biológica e moral. Explico.

É fácil ver na natureza, uma lei básica do darwinismo, empregada a partir da fórmula vida = alimento. Por exemplo, pense em uma suposta espécie de pássaros, que reproduz anualmente dez milhões de novos seres, ao passo que sua mortalidade é de cerca de 75% desse número, sobrando um crescimento populacional de 2,5 milhões de novas aves, todos os anos, no entanto, outra espécie semelhante de aves, que vive em outra região do mundo, reproduz anualmente a metade desse número, ou seja, 5 milhões de novos pássaros, porém, a mortalidade chega apenas aos 20%, sobrando assim, 4 milhões como crescimento populacional.

O exemplo nos mostra que conseguir suprir constantemente a alimentação é quase que a única condição para assegurar o aumento rápido de uma espécie. É claro, há outros fatores que também são importantes, como a longevidade de um dado organismo, o poder de fecundidade e a quantidade média de novos seres gerados em cada concepção.

Colocando a questão em um nível bastante especulativo, sugiro que passemos a pensar nas classes sociais humanas (entenda isso como quiser, importa apenas separar ricos de pobres, como constantemente se faz), sendo exatamente a mesma coisa que espécies distintas, portanto, que o pobre seja de uma espécie distinta dos ricos e os ricos, de uma espécie distinta das dos pobres – pois é exatamente isso que vemos ocorrer, embora ninguém use os termos “espécie: pobres, espécie: ricos”. Mas a evolução política, governamental, publica e também da ganância, fez pontuar cada vez mais as diferenças e tornar real a sentença homo homini lupus [o homem é o lobo do homem], que, em termos evolutivos e científicos, chamamos simplesmente de “luta pela existência”.

A luta pela existência é o empenho para preservar a própria vida e garantir o sustento da prole infantil. É a capacidade de conseguir o alimento nas estações menos favoráveis do ano, e, talvez, tendo em vista a espécie humana, talvez pudéssemos aproximar uma “estação pouco favorável do ano” de uma época em que se está no poder um governo que compactua com a tirania. Enfim, a luta pela existência é o escapar dos ataques dos inimigos mais perigosos que possam colocar em risco a vida tanto dos indivíduos quanto da espécie inteira. E são essas condições que explicam a excessiva abundância de algumas espécies enquanto outras caminham cada vez mais para a extinção, mas, no caso dos seres humanos, em se tratando de luta pela existência, quem pode colocar mais em risco a própria espécie humana, senão o próprio ser humano? Alguém alguma vez já ouviu falar que as formigas e abelhas passam fome? E vale dizer, que esses animais também se organizam politicamente e separam-se em classes: são as rainhas e as operárias.

Tudo bem, você pode até pensar que para seres tão pequenos o mundo torna-se um lugar muito vasto para que eles se alimentem em abundância, assim fica difícil pensar que eles pudessem passar fome, até porque uma experiência simples poderia dar cabo de resolver a questão: basta que se feche uma centena de formigas em um pequeno local e elas logo morrerão de fome, mas no caso dos seres humanos o planeta também é suficiente para gerar comida para todos, mas ainda assim, muitos passam fome e vivem a humilhação de terem de revirar o lixo. Porém, talvez o que chamamos de lixo seja relativo: a comida não se torna outra coisa porque está no lixo. Ela apenas deixa de ser agradável para mim que tenho outra comida melhor, mas para quem não tem comida nenhuma, meu lixo torna-se o principal prato do dia.

Se soubéssemos melhor nos organizar politicamente, teríamos uma distribuição de comida mais justa? A pergunta é quase ingênua. Entendo isso. Primeiramente, o que está em jogo é o caráter moral do ser humano. Aí o jogo muda. Isso porque eu creio que sabemos nos organizar politicamente. Deve haver vários especialistas por aí que possuem a solução para estancar a fome do mundo em pouco tempo. O problema é: a nossa espécie está unida o suficiente para conseguir ouvir um especialista que no meio de todos esses intelectos de destaque levanta a sua bandeira para gritar “sei como acabar com a fome!”? Definitivamente não. Ninguém está interessado em acabar com a fome, principalmente quem não vive faminto.

Portanto, creio que a questão de se gerir a fome, é menos política do que moral. Se realmente sentíssemos dor pela dor do outro, então ninguém estaria com fome no mundo e a política seria secundária em relação à compaixão – mas nosso espírito não é justo, mas sim demoníaco e ganancioso – o mundo é o verdadeiro inferno e a luta pela existência é a regra fundamental. Se fossemos diferentes de verdade, teríamos de nos ver como unidade, ou seja, como espécie única e que juntos almejassem um único fim, mas infelizmente não é esse o caso, já que o único fim que nos une (a morte) é também um dos instrumentos que mais utilizamos para nos dividirmos. A morte deveria nos unir nunca nos dividir. Se todos se ocupassem verdadeiramente de ajudarem os outros a enfrentarem a morte com dignidade, então a fome nem seria considerada, porque é tão absurda que permaneceria desconhecida.

A reflexão está lançada. Quem tiver uma solução para restituir a humanidade como espécie, erga a sua voz. Oh… Esqueci-me de mencionar novamente Bolsonaro e agora perdi toda minha energia! Mas quem se importa? Ele está nas entrelinhas. O leitor atento e disposto o encontrará se quiser.

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