“O que é a vida?” era a pergunta que costumava encerrar o clássico programa de entrevistas comandado pelo meu xará Antônio Abujamra no programa “Provocações” que foi ao ar durante 15 anos na TV Cultura. A questão fazia jus ao nome do programa porque de fato colocava os convidados em uma situação constrangedora, mas ao mesmo tempo, bastante reflexiva. Quando o entrevistado tentava dar uma resposta qualquer, tinha de ouvir de novo e de novo Abujamra questioná-lo com seus olhos grandes: “o que é a vida?”. A minha pretensão com este singelo textinho é tomar a pergunta de Abujamra como ponto de partida e colocar-me no púlpito do constrangimento e esforçar-me por respondê-la, porém, já tendo em mente, de antemão, que certamente irei falhar. Dito isso, vamos ao assunto.
Vida é tudo o que acontece no mundo. Cada movimento mostra em alguma medida o que é a vida: uma mulher passeando na rua com seu bebê, os passarinhos cantando nas árvores, os carros buzinando nas avenidas, a chuva, o desmoronamento dos rochedos, os animais matando-se uns aos outros pela sobrevivência, as escolhas que uma pessoa faz, etc. Cada mínimo movimento é um testemunho sobre o que é a vida. Por isso, me parece que quem quiser responder o que é a vida, antes terá de responder “o que é o movimento?”.
— O que é a vida? – perguntar-me-ia novamente Abujamra com seus olhos grandes.
“A vida é movimento” – é o que eu responderia para tentar me livrar do constrangimento, porém, aqui, num texto que posso ter mais tempo para refletir, vou tentar outra resposta mais completa, por isso, continuemos.
Parece-me que Abujamra sempre quis levar a questão para um sentindo moral. A pergunta “o que é a vida”, portanto, faz o indivíduo adentrar em si mesmo, e o natural constrangimento em tentar respondê-la vai de encontro com outra questão igualmente constrangedora, que também sempre coloca todo mundo numa situação de estranheza, estou me referindo ao famigerado “quem é você?”. Por isso, as perguntas “o que é a vida?” e “quem é você?” parecem ter uma relação bem próxima. Isso se dá pelo fato de que o que eu sou sempre tem a ver com a vida, pois não há “eu sou” sem “vida” tal como não há “vida” sem “eu sou”.
— O que é a vida? – certamente eu teria de ouvir Abujamra insistindo novamente…
A resposta sobre o que é a vida, dada por um ser humano que possui um elevado grau intelectual, conhecimento e inteligência, sempre resvala no ponto de vista moral. É aí que se encontra o problema. Se eu quero dizer apenas que vida é movimento, estou me atendo apenas na natureza física da vida e aos aspectos condizentes as modificações causais, daí que alguém bem poderia dizer (com razão) que a realidade moral do ser humano é metafísica, ou seja, está além das coisas físicas. Nesse caso, a resposta terá de ser subjetiva, porque cada pessoa responderá o que é a vida para ela (como era de costume acontecer com os entrevistados do Abujamra). Porém, disso decorre um problema: teria como conceber uma resposta universal para uma metafísica geral, onde todos pudessem conceber uma realidade moral que pudesse resolver a questão o que é a vida?
A resposta para isso é que sim – para tal, é preciso encontrar uma forma de compatibilizar a natureza física do mundo com a realidade moral e metafísica do ser humano. O grande filósofo que foi capaz de responder isso e resolver a questão foi Schopenhauer, que dizia com constância que o ser humano é aquilo que ele quer. Segundo Schopenhauer, portanto, é o querer que determina toda a vida da natureza, tanto dos movimentos mais simples, como dos mais complexos. Daí ser possível pensar que tanto as modificações que acontecem no crescimento de uma plantinha no jardim quanto a queda da chuva ou mesmo as escolhas morais que alguém faz (por exemplo, entre votar no candidato x ou y), estão sempre em relação ao seu querer. Por isso, seria como se pudéssemos dizer que a vida é o que eu quis, o que eu quero e o que irei querer. Portanto, se eu sou o que eu quero a vida só pode ser o próprio querer, ou nas palavras do referido filósofo, a vida é Vontade. Mas se Schopenhauer dissesse para Abujamra que ‘a vida é vontade’, certamente teria de ouvir mais uma vez (e com razão)…
— O que é vida?
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