A boa conduta parte do princípio da vida ordenada conforme a lei. Eis a direção para a convivência saudável, respeitosa e digna de todo o ser humano. A lei está escrita nos códigos para que, em toda a sociedade, as pessoas tenham alcance e sejam submissas à lei. Para construir as relações de harmonia, de paz e de concórdia, a lei não é insuficiente. Precisa de algo a mais. O ‘Ser’ humano é insaciável, constante, exigente, necessita de algo a mais que se esconde no fundo do coração. Mergulhar no âmago existencial, encontramos o amor que supera tudo e todos, pois o amor vem de Deus. “Deus é amor” (1Jo 14,16).
O relato bíblico do Pai misericordioso (cf. Lc 15,11-32) é a mais completa ilustração da profundidade do amor que está no âmago de um pai que deseja ardentemente o seu filho de volta em sua casa. A misericórdia supera a Lei, sem esvaziar a Lei. Do mesmo modo, o Cristo pregado na Cruz ultrapassa a zombaria dos carrascos e, do alto da Cruz, transborda a fecundidade do amor que não se esgota. O coração, tomado de amor, derrama o sangue regando a terra de amor que nunca se esgota.
Deus acompanha o Seu povo de coração duro, impõe sinais consistentes para que se voltem ao Senhor e recuperem a confiança, o amor perdido: “O povo foi ter com Moisés e disse: ‘Pecamos, falando contra o Senhor e contra ti. Roga ao Senhor que afaste de nós as serpentes’” (Nm 21,7). A conduta desviada do caminho da bondade e da simplicidade gera comportamentos alheios à unidade e à fraternidade. Nasce o pecado do orgulho, da prepotência, do poder opressor.
A exaltação da Santa Cruz é a vida que enaltece a fé crescente, superando as desavenças comportamentais e fortalece o amor que supera tudo e todos. Jesus, no alto da Cruz, nos encoraja a superarmos as dores da ilusão e da discórdia entre nós humanos. O coração, tomado de amor, preenche na sua essência a capacidade de revelar a sua misericórdia, gesto grandioso de Jesus testemunhado no suplício da Cruz.
Neste dia, ao exaltarmos a Santa Cruz, enxergamos no Crucificado as nossas fragilidades comportamentais e posturas a serem revistas quando nos ofendemos e nos odiamos mutuamente. “Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz” (cf. Fl 2,6-11). Na trajetória para a terra prometida, a desobediência do povo a Deus, perdeu muitas vidas. Como prenúncio da Cruz salvadora, ao olhar para a serpente na cruz, se tornou salvação. Com Jesus Cristo, pregado na Cruz, nos alimentamos da Sua vida e participamos da ressurreição, graças ao Seu amor misericordioso que se compadece de nós pecadores.
Na discussão de Jesus com Nicodemos, encontramos a profundidade do amor que ultrapassa as barreiras existenciais, sejam elevadas para a dignidade da salvação para quem Nele crer: “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3,13-17).
O cumprimento pleno da lei se realiza quando os corações estiverem encharcados de amor e encherem a terra de misericórdia. Vai além dos preceitos, exige sempre mais caridade, mais sensibilidade humana, mais respeito, mais olhar com compaixão, ajudar a curar as feridas da humanidade.
Eis a razão pela qual a misericórdia está acima da lei. Pois qualifica a essência da Lei.