Uma parceria entre instituições brasileiras e uma alemã resultou no desenvolvimento de uma nova classe de fertilizantes multifuncionais. Os pesquisadores conseguiram criar um material único, à base de enxofre, rejeito da indústria do petróleo, para liberação controlada de uma fonte de fosfato oriundo de resíduos urbanos, a estrutiva. O fertilizante inteligente e ecológico, de liberação lenta, foi capaz de aumentar a biomassa da soja, comparado a sistemas convencionais de adubação fosfatada.
Chamado de compósito estruvita-polissulfeto, o fertilizante proporcionou biomassa superior em relação a uma referência adubada com fosfato supertriplo e sulfato de amônio, com até 3 e 10 vezes mais massa de parte aérea e raiz, respectivamente, no cultivo de soja, em sistema fechado. Os compósitos mostraram-se alternativas eficientes de fertilizantes às fontes comerciais solúveis e benéficas para o desenvolvimento da soja.
Os pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e o instituto alemão Forschungszentrum Jülich, utilizaram o polissulfeto (PS) obtido por vulcanização inversa como uma nova matriz de fertilizante contendo o mineral estruvita (St) moído e disperso para criar o novo insumo.
A vulcanização inversa é um método de copolimerização inovador, um processo facilmente controlável e livre de solventes para obter polímeros ricos em enxofre, formando estruturas versáteis, maleáveis e porosas, ideais para aplicação como matrizes em compósitos.
Com uma área plantada em torno de 70 milhões de hectares, o Brasil ocupa a quarta posição entre os consumidores de fertilizantes do planeta, sendo o maior importador. Diante desse cenário, os pesquisadores acreditam que o desenvolvimento de fertilizantes com as características propostas é fundamental para garantir a segurança alimentar de forma sustentável, sendo a estruvita uma alternativa promissora para a fertilização fosfatada. No entanto, a solubilidade dessa fonte é um desafio para a eficiência como uso consistente.
Processo de transformação
O polissulfeto – classe de compostos químicos que contém átomos de enxofre – pode fornecer enxofre às plantas, macronutriente importante para o crescimento delas, mas nem sempre está disponível em solos agrícolas. Para ser absorvido por elas, tanto o polissulfeto quanto o enxofre puro têm que ser oxidados no solo para sulfato, um processo de taxa lenta promovido por microrganismos do solo.
Conduzido pela química industrial de formação Stella Fortuna do Valle, como parte da pesquisa para obtenção do título de doutora em Química pela UFSCar, o estudo focou no desenvolvimento de um fertilizante em que a estrutura do enxofre elementar (S8) fosse mais acessível a microrganismos oxidantes por modificação química.
Sob a orientação do pesquisador da Embrapa Instrumentação Caue Ribeiro desde o mestrado, quando Stella já vinha estudando o uso de enxofre na produção de fertilizante, a pesquisa de campo foi realizada no Instituto de Bio e Geociências – Ciências de Plantas (IBG-2), do Forschungszentrum Jülich. A sede do centro de pesquisa está localizada no triângulo da cidade Aachen – Colônia – Düsseldorf , nos arredores da cidade de Jülich , na Renânia do Norte-Vestefália.
Para alcançar o objetivo, a pesquisadora sintetizou os polissulfetos por meio da técnica de vulcanização inversa, usando enxofre elementar (S8) e óleo de soja, na mesma proporção cada um. A reação foi conduzida na presença de estruvita moída, com diferentes proporções de massa.
Stella explica que todos os componentes foram misturados em um frasco e o sistema foi mantido sob constante agitação e aquecimento com agitador mecânico e banho de óleo. “Com a temperatura mantida acima de 165 graus, foi possível reagir o enxofre com as ligações insaturadas do óleo de soja até ser obtido um material de coloração marrom-clara”, complementa.
Os fertilizantes foram produzidos com diferentes teores de cada componente. Segundo a pesquisadora, as diferentes razões de massa foram estudadas porque o sinergismo e as interações entre as partículas de estruvita e a matriz de polissulfeto podem diferir.
“A dispersão e os efeitos de barreira da matriz na dissolução e liberação de estruvita podem se equilibrar, enquanto a oxidação de enxofre pode ser melhorada com maiores quantidades de fósforo. A solubilização de fósforo pode aumentar com maior oxidação de polissulfeto em sulfato”, pontua.
Com isso, os pesquisadores esperavam, portanto, testar diferentes configurações de matriz para fósforo para observar se elas poderiam produzir resultados diferentes em relação à liberação do elemento e oxidação de enxofre.
Dessa forma, criaram, então, uma nova matriz de fertilizante de liberação controlada contendo estruvita, para aumentar a funcionalidade do produto. “Os polissulfetos formados aumentaram a oxidação do enxofre, levando à liberação de sulfato superior em comparação ao enxofre elementar puro, gerando acidez local para solubilização do fósforo”, diz Stella.
Em estudos anteriores, os pesquisadores já haviam observado que os polissulfetos apresentaram oxidação superior em comparação com enxofre, especialmente quando combinado com estruvita. Além disso, a formação de sulfato baixou o pH local, auxiliando na dissolução da estruvita.
A pesquisadora conta que, apesar de seu potencial como fertilizante ecologicamente correto, os efeitos do estruvita-polissulfeto nas plantas ainda são desconhecidos, e sua dinâmica no sistema solo-planta deve ser melhor investigada. Segundo ela, a elucidação da dinâmica dessa interação e dos padrões de crescimento das raízes sob a adubação com estruvita-polissulfeto é importante para entender e validar a eficiência agronômica dessa nova classe de fertilizantes de liberação lenta.
Diante desse fato, o grupo procurou entender a influência do fertilizante no desenvolvimento radicular e na distribuição espacial das raízes no crescimento e como o fertilizante poderia ser acessado pelas plantas.
“Investigamos o efeito de fertilizantes de estruvita-polissulfeto na absorção de nutrientes, formação de biomassa e arquitetura do sistema radicular. Avaliamos não só o desempenho do fertilizante quanto ao rendimento, mas também o desenvolvimento do sistema radicular, que afeta a fertilidade do solo e a produtividade das culturas”, pontua Caue Ribeiro. Os resultados promissores obtidos com a pesquisa são atribuídos pelo grupo às mudanças na arquitetura do sistema radicular.
Engenheiro de materiais de formação e especialista em nanotecnologia, líder da Rede de Nanotecnologia para o Agronegócio (Rede AgroNano), Ribeiro atuou no instituto Forschungszentrum Jülich, como cientista-visitante, por um ano e meio, retornando ao Brasil logo no início da pandemia do novo coronavírus. Já Stella iniciou, neste período, as atividades no Centro Alemão, dando continuidade à parceria internacional.
Limitações de enxofre e fósforo nos solos tropicais
Tanto fósforo como enxofre possuem limitações. Elemento essencial para o crescimento das culturas e vital para a fotossíntese, o fósforo (P) é também o macronutriente menos disponível em solos tropicais, porque fica imobilizado por ferro (Fe) e alumínio (Al), exigindo aportes frequentes. As versões comerciais são altamente solúveis em água, podem lixiviar para corpos d’água, causar eutrofização e impactos ambientais severos, além da produção envolver o tratamento químico agressivo do mineral com ácido sulfúrico, gerando toneladas de resíduos.
Já o enxofre (S) é um macronutriente também essencial para o desenvolvimento das plantas, mas sua deficiência nos solos agrícolas tem sido uma preocupação crescente nas últimas décadas, muitas vezes manejado com o uso de enxofre elementar (S 8) – uma das três principais formas de enxofre concentrado utilizado na adubação das culturas – como revestimento para outros fertilizantes.
O que é estruvita?
A estruvita, mineral formado pela reação do magnésio, amônio e fosfato para produzir um sólido cristalino, é de liberação lenta devido à baixa solubilidade em água, o que leva a uma redução nas perdas por lixiviação e a um valor residual prolongado para as culturas. O mineral também fornece nitrogênio (N), o macronutriente mais necessário da cultura. Contudo, quando na forma de grânulo, a solubilidade da estruvita pode ser muito baixa e, com isso, prejudicar o crescimento vegetal.
Encontrada, pela primeira vez, embaixo da igreja de St. Nicolai, Hamburgo, na Alemanha, a estruvita pode ser produzida a partir da recuperação do fósforo presente no esgoto doméstico, com maior eficiência agrícola do que os fertilizantes convencionais.
Eficiência comprovada
A pesquisadora diz que as plantas que apresentaram maior desenvolvimento vegetativo, ou seja, tratamento à base de estruvita – também mostraram maior presença de raízes mais finas e distribuição mais homogênea em todo o volume do substrato. Segundo ela, as raízes laterais são as que mais contribuem para a absorção de água e nutrientes pelas plantas, devido a sua atividade e capilaridade no solo.
Para Stella, isso foi possível com o desenvolvimento de compósitos de fertilizantes baseados em uma matriz de polissulfeto contendo estruvita moída dispersa. Ela e Ribeiro afirmam que as matrizes são estratégicas para contornar o problema do tamanho das partículas, pois podem ser processadas como grânulos, ao mesmo tempo em que evitam a aglomeração de pequenas partículas de fósforo e atuam como uma barreira, impedindo a entrega rápida de fósforo.
“Como os fertilizantes são administrados como grânulos ou pellets em campo, formatos mais fáceis de manusear e armazenar, o sistema de compósitos estruvita-polissulfeto permite o uso da estruvita em pó, para favorecer sua solubilização, mantendo a forma de grânulo com a base de polissulfeto, proporcionando assim uma adubação fosfatada com mais eficiência e segurança”, esclarece a pesquisadora. Para comparar os compósitos à base de polissulfeto com a referência de estruvita – grânulos de 1 mm – no experimento em casa de vegetação, os compósitos foram triturados grosseiramente.
Em experimento conduzido em condições controladas de casa de vegetação na Alemanha, entre maio e junho de 2020, Stella observou que o comprimento total da raiz de soja ficou entre 200 e 400% maior para plantas sob compósitos estruvita-polissulfeto (St/PS), em comparação às raízes sob tratamento com superfosfato triplo e sulfato de amônio.
“Enquanto a eficiência de absorção de fósforo foi semelhante em todos os tratamentos fertilizados, entre 11 e 14%, o St/PS alcançou uma eficiência de absorção de 22% de enxofre contra apenas 8% do sulfato de amônio. No geral, os compósitos mostraram grande potencial como fertilizantes de liberação lenta eficientes para aumentar a produtividade da soja”, avalia a pesquisadora.
Os tratamentos contendo estruvita foram estatisticamente superiores à referência de adubos convencionais, atingindo mais do que o dobro da área foliar. “Enquanto o fosfato supertriplo com sulfato de amônio apresentou em média 30 folhas por planta, St/S8 e St /PS apresentaram cerca de 50 folhas”, analisa Stella.
Para avaliar o efeito combinado de estruvita e polissulfeto, a química explica que foram aplicados tratamentos sem adubação, planta controle, uma referência positiva com as fontes altamente solúveis de superfosfato triplo para fósforo e sulfato de amônio para enxofre, mistura de estruvita pura e pó de enxofre elementar, além de compósitos de fertilizantes moídos com diferentes proporções de massa de estruvita e polissulfeto.
Além disso, na tentativa de entender os efeitos do fósforo e do enxofre no desenvolvimento da planta, aplicaram uma dose de nitrogênio a todos os tratamentos adubados, para não ser um fator limitante ao crescimento da soja. “O nitrogênio foi suplementado com nitrato de amônio, assim como potássio, zinco e cobre, usando uma solução nutritiva”, acrescenta.
Como meio de crescimento, Stella explica que usou o substrato de turfa, devido a alta atividade microbiana associada a ambientes ricos em compostos orgânicos, o que é necessário para promover a oxidação do enxofre do polissulfeto e do enxofre elementar. O substrato consistiu de uma mistura de argila e de turfa branca, sem adição prévia de fertilizantes.
Os experimentos foram realizados em rizotrons planos, equipamentos que possibilitam a observação do crescimento radicular de plantas em solo, sem destruir sua estrutura.
Os fertilizantes foram adicionados oito dias antes da semeadura. Depois, as sementes de soja foram pré-germinadas em placas de Petri por dois dias. As mudas com tamanhos de radicais iguais foram selecionadas e transplantadas para cada rizotron.
A pesquisadora relata que não foram observados sintomas de fitotoxicidade ou deficiência de micronutrientes ao longo do experimento. As plantas cultivadas sem fertilizante adicional – tratamento controle – permaneceram relativamente pequenas e não evoluíram significativamente ao longo do tempo, ao contrário dos tratamentos fertilizados.
Já a análise da arquitetura do sistema radicular nos rizotrons revelou um intenso acúmulo de raízes laterais finas ao redor da camada de fertilizante, principalmente nos tratamentos de estruvita. A pesquisadora atribui o desenvolvimento maior de raízes mais finas à liberação lenta e disponibilização contínua de fosfato da estruvita, em contraste com a rápida solubilização de fosfato supertriplo.
Outra vantagem apontada por ela é que as plantas de soja tratadas com enxofre apresentaram um aumento nas raízes laterais em comparação com um controle sem suprimento do elemento, especialmente na presença do polissulfeto, possivelmente devido à maior atividade de microrganismos do solo.
“Os resultados indicaram um maior desenvolvimento da soja na presença de estruvita, demonstrando que o fosfato pode ser eficientemente fornecido às plantas nessa forma. Observamos um rápido desenvolvimento após cerca de 30 dias de crescimento das plantas. Uma das razões para isso pode ser porque a soja tende a acumular rapidamente biomassa para completar o desenvolvimento vegetativo à medida que o estágio reprodutivo se inicia”, avalia Stella.
Mas eles não descartam outros fatores associados ao desenvolvimento, como o comanejo de estruvita com enxofre ou o fornecimento adicional de magnésio.
Os pesquisadores concluíram que compósitos fertilizantes, com dinâmica de liberação controlada podem ser obtidos como alternativas sustentáveis à adubação com fósforo e enxofre constituídos por uma matriz de polissulfeto (OS) como suporte para partículas de estruvita (St).
“Os fertilizantes de liberação controlada são projetados para promover uma entrega gradual, mais compatível com os ciclos das culturas. O fraco desempenho de fertilizantes com baixa solubilidade, por exemplo, pode ser gerenciado em uma liberação controlada pela dispersão do nutriente do solo em uma matriz”, afirma Ribeiro.
Seleção da cultura
A soja foi selecionada para o estudo por ser uma planta com alto teor de proteína e alta demanda de enxofre, cultivada em rizotrons com diferentes fontes de enxofre e fósforo ao longo de 40 dias. Um substrato com concentrações baixas a moderadas de fósforo e enxofre foi utilizado para favorecer a absorção dos nutrientes fornecidos através dos fertilizantes.
Os pesquisadores acreditavam que a soja responderia diferentemente aos compostos de estruvita-polissulfeto em comparação com uma referência solúvel, devido à entrega controlada de fósforo. Além disso, a hipótese do grupo era a de que a estrutura química do enxofre dos fertilizantes afetaria o suprimento de enxofre e as características do sistema radicular da soja, pois os polissulfetos precisam ser biologicamente convertidos em sulfato.
Eles avaliaram que o cultivo da soja com os compósitos de estruvita-polissulfeto não só apresentou uma produção de biomassa significativa, superior ao tratamento com superfosfato triplo e sulfato de amônio, mas também uma maior proliferação radicular.
Na opinião dos pesquisadores, o intenso crescimento radicular pode ser uma resposta à disponibilidade prolongada de fosfato devido ao caráter de liberação lenta da estruvita.
Para Ribeiro, que também é vice-coordenador na região Sudeste da Caravana Embrapa FertBrasil, o crescimento aprimorado das raízes pode beneficiar significativamente a produção das culturas, melhorando microestrutura e a porosidade do solo, e a densidade aparente, além de um enriquecimento geral de carbono orgânico no solo.
“Mais importante ainda, implica no aumento da rizosfera do solo, com uma comunidade microbiana mais diversificada, melhor mobilidade e biodisponibilidade de nutrientes. Em condições de campo, isso é especialmente favorável, beneficiando assim os cultivos seguintes”, conclui.
Apoio e publicações
O estudo recebeu o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Associação Helmholtz.
Foi publicado em periódicos internacionais, como o .
Frontiers in Plant Science e o Journal of Agricultural and Food Chemistry