Nos últimos anos, a narrativa internacional sobre a Índia vem sendo frequentemente enquadrada por comparações limitantes — “Índia-Paquistão”, “Índia-China”, e assim por diante. No entanto, uma nova onda diplomática, intelectual e econômica mostra que o país caminha para ocupar um espaço autônomo, com voz própria em um mundo multipolar. A Índia não quer mais ser o segundo nome de uma equação geopolítica: ela busca ser o ponto de convergência de várias delas.
Essa transformação ficou evidente no Fórum Internacional de Parcerias e Desenvolvimento Sul-Sul, realizado em Nova Délhi no início deste mês. O encontro reuniu líderes e representantes de mais de cinquenta países da Ásia, África e América Latina, em um esforço conjunto para redefinir as bases da cooperação internacional. O evento, organizado pelo Ministério das Relações Exteriores da Índia em parceria com a Universidade Jawaharlal Nehru, teve como tema central “Construindo Conexões, Não Comparações”.
Um novo paradigma diplomático
A conferência apresentou um retrato claro de uma Índia que se vê — e é vista — como protagonista. O Primeiro-Ministro Narendra Modi, em seu discurso de abertura, destacou que “a Índia não deseja competir com ninguém, mas cooperar com todos”. Ele lembrou que o país é hoje a quinta maior economia do mundo e que, apesar das complexidades internas, mantém o compromisso com uma diplomacia de empatia, cultura e desenvolvimento mútuo.
Entre os presentes, estavam ministros e diplomatas de países como Nigéria, Vietnã, Omã, Etiópia e Chile, todos destacando o papel crescente da Índia na formação de uma nova arquitetura global. Os discursos reforçaram que o país é visto como uma alternativa confiável em um cenário internacional marcado por tensões entre o Ocidente e a China.
Educação, tecnologia e valores compartilhados
O aspecto educacional também teve destaque. A Índia, que já abriga dezenas de milhares de estudantes estrangeiros, vem se tornando um destino preferencial para jovens da África e da Ásia Central. A vice-chanceler da Universidade de Délhi, Dra. Meera Sanyal, ressaltou que “os alunos não vêm apenas pela qualidade acadêmica, mas pela dimensão humana que encontram aqui. A Índia ensina tecnologia com valores”.
O Ministro da Educação do Quênia, Dr. Samuel Ochieng, afirmou que seu país vê a Índia como “um parceiro que compreende as necessidades reais das nações em desenvolvimento”. Segundo ele, a cooperação indo-africana já resultou em acordos para intercâmbio de professores e criação de polos tecnológicos em Nairóbi e Mombaça com expertise indiana.
Infraestrutura e inovação como vetores de aproximação
Além da educação, as áreas de infraestrutura e inovação também dominaram o debate. A Índia anunciou um fundo de US$ 5 bilhões destinado a projetos de transporte e energia em países parceiros da África e do Sudeste Asiático. O objetivo é fortalecer as rotas comerciais e ampliar o acesso tecnológico — especialmente em energias renováveis.
O Ministro de Energia de Omã, Khalid Al-Maawali, elogiou a visão indiana e revelou planos conjuntos para o desenvolvimento de um corredor energético que conectará o Golfo de Omã ao litoral ocidental da Índia, reduzindo custos logísticos e fortalecendo a segurança regional.
Uma diplomacia cultural que vai além da geopolítica
Os painéis culturais mostraram uma Índia que aposta no “poder suave” — a capacidade de criar empatia por meio da cultura, da arte e da espiritualidade. Delegações de 60 países participaram de uma mostra sobre o impacto do pensamento de Mahatma Gandhi e do movimento não violento em outras lutas de independência ao redor do mundo.
A representante de Moçambique, Dra. Celina Chissano, afirmou que “a Índia não tenta impor modelos; ela inspira caminhos”. Essa percepção reflete a diferença entre o engajamento indiano e o de outras potências globais, muitas vezes pautadas por interesses econômicos imediatos.
O papel da Índia no novo equilíbrio global
Ao longo dos últimos anos, a Índia tem se consolidado como um elo entre o Norte e o Sul global. Em fóruns como o G20 e os BRICS, o país defende uma governança mais inclusiva, onde as vozes do Sul global sejam ouvidas com peso real nas decisões multilaterais.
O economista e ex-diplomata Rajiv Bhatia explicou que “a Índia é uma ponte natural entre diferentes mundos. É democrática como o Ocidente, mas tem a sensibilidade do Sul global. Essa posição única pode ajudá-la a mediar interesses e promover soluções mais equilibradas”.
Uma voz independente em um mundo polarizado
A estratégia indiana de “des-hipenização” — ou seja, libertar-se das comparações históricas e agir como ator independente — tem se mostrado eficaz. O país mantém boas relações com os Estados Unidos e, ao mesmo tempo, colabora com a Rússia em projetos de energia. Dialoga com a China, sem abrir mão da defesa de sua soberania no Himalaia.
Analistas apontam que a força da Índia está justamente nessa capacidade de dialogar com todos, sem alinhar-se totalmente a ninguém. Essa postura a torna um parceiro desejado para nações em busca de equilíbrio entre as grandes potências.
O futuro das parcerias indianas
Ao encerrar o fórum, o Ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, resumiu a nova mentalidade do país: “Não queremos ser vistos como uma alternativa à China ou ao Ocidente. Queremos ser o parceiro que entende, escuta e constrói”.
A Índia, portanto, entra em uma nova fase de sua trajetória global — uma fase em que deixa de ser o “outro” de alguém e se afirma como um centro de diálogo, inovação e humanidade. À medida que a economia mundial se reequilibra e novas alianças surgem, essa Índia autônoma, confiante e cooperativa promete desempenhar um papel fundamental na definição dos rumos do século XXI.
Em um mundo acostumado a pensar em termos de polos opostos, a Índia emerge como o terceiro caminho, aquele que não compete — mas conecta.








