Parceria entre Embrapa e produtor rural ajudou a formatar sistema que permite aumentar a produtividade e reduzir o ciclo da pecuária.
Sistema Pontal tem como pilares a integração lavoura-pecuária, o manejo de pastagens e a estação de monta invertida.
Com uso da ILP, resolve-se o gargalo da falta de forragem no período seco do ano.
Inversão da estação de monta possibilita inseminação e partos no período seco e desmama de bezerros no período chuvoso.
Uso de consórcios forrageiros aumenta teor proteico da forragem, beneficia lavoura e ajuda a controlar plantas daninhas.
Um sistema produtivo trabalhado pela Embrapa em conjunto com a JP Agropecuária mudou a rotina e os resultados da Fazenda Pontal, em Nova Guarita (MT). Com base na adoção da integração lavoura-pecuária (ILP) e na maior oferta de forragem durante o período seco do ano, o chamado Sistema Pontal possibilita inverter a estação de monta e aumentar a produtividade da pecuária de corte.
O Sistema Pontal é sustentado por três pilares, sendo um deles a própria integração lavoura-pecuária, outro o manejo de pastagens, que possibilita maior taxa de lotação no período chuvoso, e o terceiro é a estação de monta invertida, que viabiliza o nascimento de bezerros na seca.
Integração lavoura-pecuária
Com aptidão tanto para pecuária quanto para agricultura, a Fazenda Pontal começou a utilizar lavoura para recuperar pastagens em 2002 e 2003. Pouco depois passou a usar o Sistema Santa Fé para consorciar milho com braquiária na reforma dos pastos. A melhoria da qualidade da forragem trouxe a preocupação com o melhor aproveitamento do alimento e com a busca por maior produtividade.
Manejo de pastagens
Com apoio de pesquisadores da Embrapa Agrossilvipastoril (MT), os produtores José Leandro Olivi Peres e seu pai José Peres passaram a utilizar forrageiras mais modernas, como as cultivares BRS Paiaguás, BRS Piatã e Xaraés, obtendo maior produção de forragem e também melhora na produção de soja, graças à palhada de melhor qualidade. O uso do resíduo da adubação da lavoura passou a beneficiar o capim, gerando um ciclo produtivo virtuoso dentro da propriedade, possibilitando o aumento da taxa de lotação.
“Nós percebemos que quanto mais tecnologia a gente introduzia na propriedade, desde maquinário, mão de obra e insumos, conseguia aumentar a produção. A gente colocou quase que uma propriedade em cima de outra”, afirma José Leandro Olivi Peres.
Com 50% da área produtiva da fazenda com soja na safra, todo o rebanho fica nos 50% restantes, com taxa de lotação de até três unidades animal por hectare (UA/ha), enquanto a média da pecuária brasileira é de cerca de 0,5 UA/ha. A partir de março, com os novos pastos formados após a colheita da soja, 100% da área produtiva passa a ser ocupada pela pecuária, com um novo pico de produção de forragem.
Estação de monta invertida
Com bons pastos na estação seca, o uso da integração lavoura-pecuária resolveu boa parte do maior gargalo da pecuária no Centro-Oeste brasileiro, que é a falta de forragem no inverno. Isso possibilitou a inversão da estação de monta, ou seja, a inseminação artificial das novilhas deixou de ser feita de outubro a dezembro e passou a ocorrer entre julho e setembro. Com isso, os bezerros passam a nascer entre março e julho e são desmamados no período chuvoso.
“Você tem uma pecuária mais rápida, de ciclo curto. Vai fazer IATF [inseminação artificial em tempo fixo] e não pega um curral com barro. Pega o curral seco, com uma sanidade mais interessante de se trabalhar. O bezerro nasce e com quatro a cinco meses já pega a chuva. E ele vai ser abatido no próprio ano da desmama”, explica o produtor rural.
Atualmente, a fazenda Pontal trabalha com ciclo semi-completo. Os bezerros machos desmamados que atingem determinado peso são encaminhados para a recria na propriedade, ficam nas pastagens de ILP até junho e são terminados em confinamento. As fêmeas nelore são inseminadas com 14 meses e com 22 meses já estão com bezerro ao pé. Já as novilhas angus vão para abate com 16 a 17 meses e têm a carne destinada ao mercado gourmet.
“Estamos trabalhando com quase três UA/ha, uma taxa de prenhez de quase 82% no fechamento geral de todas as categorias, desde precoce primípara, primípara normal e multípara. Estamos produzindo quase 18,5 arrobas anuais por hectare na fazenda”, celebra Olivi Peres.
Para o ex-pesquisador da Embrapa que iniciou o trabalho na fazenda Pontal e atualmente é professor da Universidade Estadual do Kansas (EUA), Bruno Pedreira, o Sistema Pontal tem como diferenciais a possibilidade de compreender melhor o sistema produtivo, de ter planejamento e mensuração de resultados e também a integração de pessoas.
“Quando pensamos no Sistema Pontal, estávamos em busca de um sistema que se sustenta, que se preocupa com a preservação dos recursos naturais, com o desenvolvimento sustentável e que paga as contas e prospera”, relembra Pedreira.
O pesquisador destaca ainda como virtudes do Sistema Pontal a possibilidade de o produtor ter na mão informações precisas sobre onde estão as plantas forrageiras na propriedade, quantos hectares com cada uma delas, qual a capacidade produtiva de cada talhão, quando a soja entra no sistema, quando a pecuária poderá retornar e como todas essas informações se organizam.
“O Sistema Pontal permite enxergar o sistema não só na próxima seca, ou no próximo ano, mas também saber onde estaremos em dois, três, cinco anos”, afirma Pedreira.
Aumento da produção e da qualidade da forragem
Visando aumentar não só a produção de forragem, mas também a sua qualidade, a fazenda serviu de campo de pesquisa para outro trabalho desenvolvido pela Embrapa Agrossilvipastoril e pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com apoio de uma rede de parceiros comerciais e técnicos da Fazenda Pontal.
Foram validados o uso de diferentes consórcios forrageiros para a segunda safra. Entre as combinações usadas está o Sistema Gravataí, que consorcia braquiária com feijão-caupi; braquiária com nabo forrageiro; braquiária com Crotalária ochroleuca; braquiária com trigo mourisco; e um consórcio sêxtuplo com braquiária, nabo forrageiro, trigo mourisco, níger, Crotalária ochroleuca e feijão guandu-anão. Todos eles foram comparados com a pastagem solteira, com a mesma cultivar de braquiária, a BRS Piatã.
Entre os resultados já obtidos, destacam-se a melhoria do teor proteico daqueles consórcios com uso de leguminosas, a boa formação de matéria seca de todos eles e o efeito mitigador de plantas daninhas, sobretudo do consórcio sêxtuplo. Uma infestação de capim camalote na área da pesquisa chegou a ocupar 68% da área com pastagem solteira e menos de 7% na área do consórcio.
Transferência de tecnologia
O Sistema Pontal já tem servido de referência para produtores de Mato Grosso e estados vizinhos. Fazendas que já faziam integração lavoura-pecuária estão adotando a estação de monta invertida e investindo mais na gestão das pastagens.
O conhecimento adquirido com a experiência da fazenda Pontal tem sido repassado em eventos, como as seis edições de dias de campo já realizados pela parceria entre Embrapa, Senar-MT e a JP Agropecuária. Dois desses dias de campo foram on-line durante o primeiro ano de pandemia. Os demais levam produtores de diferentes regiões do estado a verem in loco os resultados.
O chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agrossilvipastoril, Flávio Wruck, destaca o potencial do Sistema para a intensificação sustentável da pecuária mato-grossense. “Quando utilizado corretamente, o sistema apresenta elevadíssimo potencial da intensificação da pecuária, além de ampliar o portfólio de oportunidades de negócio para o produtor rural. Ou seja, em função da análise de mercado, presente e futuro, o produtor poderá comercializar bezerros de alto valor agregado, podendo consolidar sua “marca genética” no produto, ou optar por continuar com os animais e vendê-los como novilhos precoces, ou, ainda, terminá-los em confinamento ou em semi-confinamento nos pastos de safrinha”, explica Wruck.
Para o produtor José Leandro Peres, a maior contribuição que sistemas produtivos como esse podem dar é a de mostrar que é possível se manter na pecuária de maneira lucrativa, mesmo em áreas onde a agricultura se expande.
“Às vezes têm pecuaristas que abrem mão de seu plantel na hora errada, abrem mão da cerca e da propriedade, acabam arrendando… E eles não voltam mais. A gente sabe que tudo na nossa vida é cíclico. Hoje a soja está em alta, daqui a pouco está em baixa. A pecuária sobe, depois desce. A grande ideia é fazer com que essas propriedades tenham essa dupla aptidão agrícola e pecuária. Se não consegue plantar em 50%, que plante em 30% ou 40%. Com isso você começa a dividir ‘os ovos’. Numa situação de desvalorização de um ou do outro, você tem onde se apoiar”, analisa o produtor.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Ao permitir o aumento da produtividade nas propriedades rurais, gerando mais alimento na mesma área, o Sistema Pontal se alinha ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 2, da Organização das Nações Unidas, que prevê a fome zero e agricultura sustentável. Além disso, o sistema produz carne com menor balanço de emissões de carbono, ao reduzir o ciclo de produção e ao manejar bem as pastagens. Dessa forma, essa tecnologia também contribui com o ODS nº 13, de ação contra a mudança global do clima.