Parece que tudo que sai na Netflix ganha outra dimensão, mesmo sendo um conteúdo já exibido em outros serviços de streaming. Vide as séries “Seinfeld” (antes no Prime Vide) e “Cobra Kai” (criada pelo YouTube Originals), só para ficar em dois casos. Tomara que ocorra o mesmo com os filmes de Hector Babenco.
Depois de “Carandiru” (2003) ter entrado no catálogo da Netflix, chegou a vez de outras películas clássicas desse diretor argentino que adotou o Brasil ao longo de sua trajetória de vida, falecendo em São Paulo (SP) no ano de 2016, aos 70 anos.
Recentemente, essa famosa plataforma para assinantes tornou disponíveis “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia” (1977) e “Pixote, a lei do mais fraco” (1981), ambos em versões restauradas pelo projeto “Memória Hector Babenco” da HB Filmes, que se dedica a preservar e restaurar toda a obra do diretor. E mais “O rei da noite” (1975).
Diretor, roteirista e produtor de cinema, Babenco nasceu na Argentina em 1946, chegou ao Brasil em 1969, naturalizando-se brasileiro. Começou no cinema em 1973, como produtor executivo e codiretor, com Roberto Farias, em “O Fabuloso Fittipaldi”.
Em 1975, Babenco dirigiu sua primeira ficção, “O rei da noite”. Estrelado por Paulo José, e com Marília Pêra no elenco, é uma narrativa que se passa nos anos de 1940, em São Paulo. Um boêmio se envolve em um caso de amor com duas filhas de uma amiga de sua mãe, mas acaba se casando com uma mulher incompatível, com quem briga o tempo todo.
Mas o diretor alcançou uma das melhores bilheterias do cinema nacional brasileiro com “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”. É a história de um famoso bandido brasileiro no começo dos anos de 1970, com Reginaldo Farias vivendo essa figura outsider. O filme ainda tem grandes medalhões do cinema brasileiro, caso de Milton Gonçalves, Paulo César Peréio, Ana Maria Magalhães, Grande Otelo, Lady Francisco, Ivan Cândido e Stepan Nercessian.
Em outras palavras, Babenco sempre se interessava por tipos marginais e histórias do submundo e da noite, sendo contadas em produções que fugiam do convencional. O auge desse projeto cinematográfico chegaria no início dos anos de 1980, com “Pixote, a lei do mais fraco”, longa-metragem que se tornou um clássico do cinema brasileiro, arrancando elogios da crítica e levando o público às salas. Inclusive, ganhou o prêmio de melhor filme estrangeiro do ano de acordo com as associações de críticos de Los Angeles e de Nova York.
Confira a sinopse: vivendo a dura realidade do menor carente em um reformatório de São Paulo e revoltados com as injustiças dos administradores da instituição, quatro meninos fogem e passam a conviver com uma prostituta, envolvendo-se com traficantes de drogas e trapaceiros. O elenco tem Fernando Ramos da Silva, Marília Pêra, Jardel Filho, Jorge Julião, Gilberto Moura, Tony Tornado, Elke Maravilha.
Carandiru
Mas a maior bilheteria da carreira de Hector Babenco se deu 20 anos atrás, com “Carandiru”, adaptação cinematográfica do livro “Estação Carandiru”, de Drauzio Varella.
Disponível também na Netflix, tendo chegado ao “top 10” de audiência, esse filme narra, através do olhar do médico que frequentou o maior presídio da América Latina ao longo de mais de 12 anos, histórias de crime, vingança, amor e amizade. Ao passo que expõe a precariedade do lugar, as celas lotadas e a ausência da ordem policial, o médico torna-se um ouvinte para testemunhos de uma humanidade anulada que culminou no fatídico massacre ocorrido em 1992.
Com Luiz Carlos Vasconcelos, Gero Camilo, Rodrigo Santoro, Milton Gonçalves, Wagner Moura e Lázaro Ramos.
Obra que marca um novo tipo de realismo no cinema brasileiro, “Carandiru”, considerado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema um dos 100 melhores filmes nacionais, estreou no Festival de Cannes em 2003, e recebeu prêmios mundo afora.
Para comemorar os 20 anos de estreia desse longa-metragem, a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo exibiu uma cópia restaurada.
Carreira
Consagrado em solo brasileiro, Hector Babenco também fez carreira internacional. Sua primeira produção fora do Brasil foi “O beijo da Mulher-Aranha” (1985), com quatro indicações ao Oscar, incluindo melhor diretor. William Hurt ganhou Oscar de melhor ator e o prêmio de interpretação masculina em Cannes pelo filme.
Dirigiu Jack Nicholson e Meryl Streep em “Ironweed” (1987) pelo qual foram indicados para o Oscar de melhor ator e melhor atriz.
Em 1990, fez “Brincando nos Campos do Senhor”, produzido por Saul Zaentz, com os atores Tom Berenger, Daryl Hannah, Aldann Quinn e Kathy Bates.
Filmou na Argentina “Coração Iluminado” (1998), inspirado em suas lembranças de adolescência. O filme foi selecionado para concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Em 2003, foi escolhido para a Seleção Oficial da Palma de Ouro, pelo Festival de Cannes com Carandiru, uma das maiores bilheterias do cinema nacional. Com histórias iniciadas no longa, criou em 2005 para televisão a série “Carandiru – outras histórias”.
Em 2007, dirigiu “O Passado”, um filme argentino-brasileiro, com o ator Gael Garcia Bernal como personagem principal.
O último longa-metragem de Babenco é “Meu amigo hindu” e foi lançado nas salas de cinema em março de 2016. O filme conta com argumento, roteiro, direção e produção de Hector Babenco, tendo no elenco o ator Willem Dafoe e a esposa de Hector, Barbara Paz.
Aliás, Paz dirigiu “Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou”, que ganhou o prêmio de melhor documentário em Veneza e foi a seleção oficial do Brasil para o Oscar de Melhor Filme Internacional em 2021.