Entre fatos e ficção, o escritor Breno Pitol Trager constrói sua poética na literatura maringaense. Graduado em Psicologia, ele é um verdadeiro “feiticeiro”, ou seja, um autor que se vale de “feitiços” para encantar o leitor. Em outras palavras, efeitos de linguagem.
Em seu quarto livro no formato impresso, “A Náusea”, Trager mergulha na poesia visual, Concreta, provocando o público com poemas que rompem a estrutura tradicional dos versos. Significante e significado se fundem para erigir textos no formato de círculo e pessoa, por exemplo.
Publicado pela Pragma (de Nova Friburgo/RJ) em 2022, o livro foi produzido com verba de incentivo à Cultura, Lei Municipal de Maringá nº 11.200/2020/Prêmio Aniceto Matti.
Desde 2018, o poeta vem lançando uma obra por ano, caso de “Linhas de Fuga”, poemas em versos livres (ou seja, sem métrica), porém rimados e com refrão; e “Linhas de Segmentaridade”, que abandona os refrãos, mas segue a mesma estrutura e “Metafísica dos Sacrifícios”, metrificado.
Em entrevista à reportagem, Trager dá mais detalhes sobre sua carreira e o novo “A Náusea”. Confira:
Como foi a gestação de “A Náusea”? Ou seja, quando os poemas começaram a ser escritos? Como foi o processo de escrita?
“A Náusea” segue dois caminhos distintos, porém complementares. Um de composição de poemas visuais pelo próprio autor da obra, desde a ideação do poema ao resultado final; quando esta permite o desenvolvimento da imagem no próprio software Microsoft Word, o outro caminho é o de contratação de ilustradores, a quem muito agradeço, para desenhar formas mais complexas, por exemplo curvas finas ou mescla de texto e imagem, que não fui capaz eu mesmo de ilustrar.
O processo de gestação é rotineiro e segue sempre a mesma lógica: prévia-ideação do poema, um esboço feito pelo autor manualmente ou no Word e, se necessário, instruções para o ilustrador, que é livre para inserir sua própria visão artística também. Há casos surpreendentes, como o poema “Bolhas e Estranhos”, que é uma ilustração de uma célula, que o resultado trazido pelo ilustrador foi melhor que o meu esboço ou o que imaginei.
O livro iniciou-se sua escrita em 2020, no começo do segundo semestre e o processo de escrita se deu de forma tranquila, a maior dificuldade é para mim poeta e artista visual, conseguir financiar a arte ilustrada, visto que poetas não conseguem viver exclusivamente do seu trabalho aqui no Brasil e eu não tenho outro ofício.
Sua poesia, Breno, é visual e trabalha com elementos imagéticos, literalmente falando. É o seu estilo de escrita? Minha pergunta é se você também compõe de outro jeito (soneto, por exemplo). Como você chegou a esse burilamento poético? É um parentesco com a Poesia Concreta?
Minha escrita evolui (no sentido de mudar) constantemente, já pincelei algumas dessas mudanças, como o caso da poesia com um fundo musical, no primeiro livro, abandonado no segundo, que é a minha estreia na poesia filosófica da práxis, uma antinomia da poesia visual e concreta, mas que salvaguarda alguns elementos desta última, cujo fundamento é entender a palavra como um organismo vivo gerador de novos organismos. Eu gosto de chamar minha poesia de visual, pois ora são caligramas (palavras compondo a tinta para fabricar uma imagem), ora o poema mescla uma ilustração já pronta com novas palavras e, vez ou outra, eu faço poesia concreta mais raiz, cujos fundamentos são o minimalismo, a simetria, o uso primordial de substantivos entre outros.
Eu cheguei a minha estética experimentando a poesia práxis e a concreta no meu segundo livro, “Linhas de Segmentaridade”, bem como pesquisando exemplos de poesia visual na Internet.
Minha poesia e o meu fazer poético é isso, um mapa, um conexionismo em rede que versa sobe o desejo que se autoproduz, contra a ideia de que ele é refém de uma suposta falta.
Qual é a relação entre forma e conteúdo num poema?
Acredito que a poesia retrata os limites entre fatos e ficção, o poeta é um feiticeiro, no sentido de que abusa das figuras de linguagem e da fonética para pincelar um quadro que gera intensidades em quem está lendo; saber fazer poesia é enfeitiçar o leitor, para tanto, é necessário dominar efeitos fonéticos como aliterações (repetições de fonemas) e assonâncias (repetições do som de vogais) bem como de metáforas (comparações), metonímias (usos descontextualizados de palavras), hipérbato (inversão da ordem das orações) dentre outras figuras.
Costumo dizer que a relação entre forma e conteúdo da poesia é isso; criar um lirismo que é uma isca para fluir intensidades.
Seu estilo proporciona explorar sentidos que escapam à poesia tradicional (que costuma ser centrada na rima e no efeito sonoro). Qual é o seu conceito de poema?
Inspirado na gagueira linguística tal como conceituada no livro “Mil Platôs”, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, costumo dizer que a poesia mobiliza afetos (deixar-se tocar e ser tocado), perceptos (quadros de percepção e julgamento) e intelectos (propicia uma interpretação unívoca, ou seja, única) por meio da desterritorialização de certezas e reterritorialização de dúvidas. A poesia é o texto banhado de recursos linguísticos, seja as rimas ou o efeito sonoro, que mobiliza esses três aspectos em movimento de intensidades, que ora fogem do certo ora segmentam-se no incerto.
O título remete ao famoso livro de Jean-Paul Sartre, “A Náusea”. Qual é a ligação de sua obra, Breno, com esse clássico? É no aspecto filosófico, por exemplo?
Eu intitulei meu livro de “A Náusea” porque notei que ele lembra o drama da existência tão bem retratado pelo filósofo francês. Sim, minha poesia é também, costumo dizer, filosófica, o que justifica a homenagem ao Sartre. No entanto, francamente, minhas inspirações são primordialmente outros filósofos pós Maio de 68 na França, como Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Na orelha de seu livro, Breno, você é classificado como um poeta que pratica a “dessubstancialização literária”. Ou seja, o autor não é sujeito da obra. Eu entendo que seja um distanciamento do sentido dos poemas, ou seja, você não é que está no texto. A experiência poética não é a mesma coisa que a experiência do real, digamos assim. É isso mesmo? Se for, minha pergunta é a seguinte: quem é Breno Pitol Trager? O que é o fazer poético?
Sim, a orelha é uma breve retratação da dessubstancialização praticada pela esquizoanálise. No início, bastante jocoso e provocativo, do platô Rizoma do livro “Mil Platôs” os autores afirmam não serem os sujeitos de sua obra, pois ao escrever o livro, eles já eram muitos e vários, foram multiplicados. Logo, o livro não tem autor; o sujeito. Tampouco tem objeto, como a verdade dita pelas palavras em si mesmas. Contra a curiosidade biográfica ou a hermenêutica (interpretação absoluta) eles dizem que um livro é um agenciamento, um funcionando, uma linha de um mapa cartográfico cujos pontos precisam ser descobertos e se fazer ligar.
Minha poesia e o meu fazer poético é isso, um mapa, um conexionismo em rede que versa sobe o desejo que se autoproduz, contra a ideia de que ele é refém de uma suposta falta. Minha biografia ora é denegada ora reafirmada em meus livros, porém o importante a ser ressaltado é que o livro se agencia, um bom livro funciona; um livro ruim não.
Eu intitulei meu livro de “A Náusea” porque notei que ele lembra o drama da existência tão bem retratado pelo filósofo francês
Como foi o trabalho com o editor da Pragma Livros, Antonio Carlos Frossard? Ele indicou caminhos na sua produção, por exemplo?
Conheci o Antonio Frossard quando ele era proprietário da Editora Fross com a qual publiquei o livro mencionado, “Linhas de Segmentaridade”. Ele foi quem revisou a obra e me deu conselhos para uma vida, em relação a dificuldade da minha escrita, não apenas pela sintaxe ou vocabulário incomuns, mas o uso e abuso de neologismos, por exemplo.
“A Náusea” foi o segundo livro publicado em parceria com ele e considero uma suavização da leitura truncada que é o Segmentaridade.
O livro foi produzido com verba do Prêmio Aniceto Matti. Em que ano você concorreu? O que esse tipo de financiamento representa para um autor independente?
Sou muito grato a Secretaria Maringaense da Cultura (Semuc) pela oportunidade que me foi confiada de custear a publicação do livro. Considero todo o processo muito valioso, desde as audiências de consulta pública para o que pode ser melhorado nos editais de incentivo à cultura, o diagnóstico da mesma, novidade do ano de 2021, ano em que fui contemplado, bem como o cuidado de incluir abrangência dos produtos culturais a pessoas portadoras de necessidades especiais.
Serviço
Com ilustrações de Carolina Sardou Storch e Luiz Carlos (Dom) Cabral, os exemplares de “A Náusea” são distribuídos gratuitamente em eventos, caso do Slam Pé Vermelho. Para saber a agenda de divulgação do livro e o trabalho do poeta, acompanhe o Instagram de Breno Pitol Trager (@poeta.breno).