É um capítulo muito particular da história das HQs no Brasil. É daquelas aventuras que só poderiam ter ocorrido em terras tupiniquins.
Em outubro de 1981, a Vecchi resolveu “continuar” as aventuras de um personagem que havia sido cancelado na Itália, sob o selo da Sergio Bonelli Editore (a mesma editora de ícones como Tex, Zagor, Dylan Dog etc.).
Até aquele momento, a casa brasileira havia publicado da edição 1 à 16 da série europeia de Alan Scott, o Judas, um anti-herói cujo título da revista ficou sendo “Chacal” em solo brasileiro. Já no número 17, esse personagem saiu de cena para a entrada de Tony Carson, um caçador de recompensas ainda mais durão e sem qualquer tipo de escrúpulo. O nome da publicação foi mantido, porém era outro personagem.
Mais do que isso, a equipe criativa passou para as mãos do roteirista brasileiro Antonio Ribeiro e do desenhista espanhol radicado no Brasil Jorge Martinez Pujadas, o Jordí, que está ativo até hoje, participando de eventos de quadrinhos, produzindo e interagindo em sua conta no Instagram. Outro artista que colaborou com a série foi Antonino Homobono Balieiro. Todos sob o comando do lendário editor e cartunista Ota Assunção (1954-2021).
As HQs dessa fase de bang-bang à brasileira vêm sendo relançadas em 2024 pela editora catarinense Tábula por meio do selo Unspila, cujo objetivo é trazer quadrinhos de grandes autores a preço acessível, ou seja, de “uns pila”, nesta expressão popular para se referir a dinheiro mínimo, “poucos trocados”.
De fato, os volumes de “O Retorno do Chacal” são típicos de banca de jornal, com capa mole, formato 25 x 17 x 0.4 cm, de 80 a 100 páginas, custando cada um R$ 35 em média. Até o momento, foram publicados dois volumes de um projeto previsto de 11 edições trimestrais, com arte de Jordí. São narrativas independentes e não possuem cronologia entre elas. O único aviso da reportagem é de que se trata de um conteúdo que representa uma época, portanto alguns trechos podem carregar ideias datadas ou estereotipadas. É preciso ler essas histórias em seu respectivo contexto.
O terceiro quadrinho está em pré-venda no Catarse, com previsão de chegar às mãos dos leitores e leitoras em fevereiro de 2025. A futura edição vai reunir as histórias “Caçada Humana” e “O Canibal de Kentucky”. A primeira saiu originalmente na revista da Vecchi de número 18, em 1981. É a segunda história longa do personagem, “com 80 páginas de pura adrenalina e canalhice”, descreve a Tábula. Verdadeira graphic novel, com desenhos do mestre Jordí e roteiro de Antonio Ribeiro.
Essa HQ da editora catarinense terá ainda uma história inédita do personagem, escrita pelo jornalista e escritor Romeu Martins com arte de Jordí, com 12 páginas e coloca Tony Carson, o Chacal, no meio de uma história real, de um dos mais nefastos personagens do Velho Oeste, conhecido como “canibal de Kentucky”.
Sucesso estrondoso
Segundo o editor da Tábula Douglas Freitas, o “novo Chacal” da Vecchi se tornou um “sucesso estrondoso”, com resultados que perduraram gerações. Tanto é verdade que, em setembro de 1993, a editora BLC republicou a saga desenhada por Jordí. Muito tempo depois, a Ucha voltou com o Tony Carson em 2021, relançando duas histórias, com artes de Balieiro e Jordí. E, em 2022, a Skript apresentou um volume luxuoso em capa dura com outras duas aventuras sob a pena do mestre espanhol e roteiro de Ribeiro.
Aliás, o quadrinho de faroeste no Brasil sempre teve lugar cativo no coração e na estante dos leitores. Vide o bonelliano Tex, que é editado até hoje, tendo passado por algumas editoras (como a própria Vecchi) até chegar às mãos da Mythos.
Em um dos textos de apoio do volume “Chacal: caçada humana/Tony Carson” (ed. Skript), o jornalista, desenhista e pesquisador Francisco Ucha recorda que a Redação de quadrinhos da Vecchi era a que dava mais lucro para essa editora. No início dos anos de 1980, eram mais de 30 títulos, totalizando por mês 1.200 páginas. Só de quadrinhos nacionais, o então editor Otacílio D’Assunção, o Ota, lançava mais de 350 páginas mensais em cerca de 11 títulos entre 1980 e 1982.
A linha de faroeste era sucesso de vendas, o que levou o diretor Lotário Vecchi a investir mais nesse gênero, segundo Ucha. Assim, em 1980 apareceu “Chacal”, que trazia Alan Scott, um pistoleiro da famosa Agência de Detetives Pinkerton. Lotário havia comprado os direitos dessa série bonelliana chamada “Judas”, que não emplacou na Itália e durou apenas 16 edições. “Se essa nova publicação vendesse bem no Brasil, Lotário daria sinal verde para a criação de um outro cowboy desenhado no país, que substituiria o personagem italiano”, escreve Ucha. Dito e feito.
Assim, nasceu o Chacal brasileiro, tendo Ota à frente da empreitada. Ele não queria um personagem “certinho”, pois já havia Tex e o brasileiro Chet. “O novo personagem deveria ser um caçador de recompensas sem escrúpulos e pronto para fazer qualquer coisa em proveito próprio”, diz o jornalista.
De fato, as histórias da nova fase são carregadas de violência, cinismo e falhas de Tony Carson, cujo nome foi emprestado de pseudônimo utilizado pelo roteirista Antonio Macedo Ribeiro Filho em livros de faroeste. O novo Chacal é capaz de trair seus comparsas – que não são honestos, é bom dizer – para conseguir caçar suas presas. Inclusive, o protagonista não desgruda daqueles famosos cartazes de “procura-se”. Vivo ou morto, não importa. O que vale é o dinheiro da recompensa.
Na Record, apenas Judas
E um dado curioso: entre setembro de 1989 e março de 1991, a editora Record publicou a maxissérie em 16 capítulos “Judas”, com o mesmo personagem, Alan Scott, que havia saído sob o apelido “Chacal” na Vecchi. Nesse projeto, não entraram as histórias brasileiras de Tony Carson.
Eram HQs de 100 páginas cada, no formato de 15,5 x 21 cm, com capa em cor e miolo preto/branco. Sob licença da Sergio Bonelli Editore e edição de Ota.
Desenhista
Jordí Martinez começou a desenhar profissionalmente aos 14 anos como assistente no estúdio de criação de histórias em quadrinhos da editorial Bruguera, a maior editora do ramo em Barcelona (Espanha), que publicava Pulgarcito, DDT e CAPITÃO TRUENO entre outras, aprendizado que complementou estudando no Reial Cercle Artistic, na mesma cidade. Quando chegou ao Rio de Janeiro Brasil, em 1975, trabalhou no estúdio da editora Globo, antiga Rio Gráfica, desenhando títulos como Sítio do Picapau Amarelo enquanto desenhava os Trapalhões, para a Ed. Bloch e terror para as revistas Espectro e Sobrenatural, entre outras, da extinta editora Vecchi. E finalmente assumiu o título Chacal, para o qual desenhou mais de 650 páginas, complementando seus estudos de desenho e pintura com bons livros de anatomia e exercitando do natural e com Modelo Vivo.