“Este livro é dedicado, responsável, pontual e nunca faltou ao serviço”. Antes mesmo da primeira tirinha ou cartum, Lukas faz uma metapiada com elemento comum a qualquer livro, a tal “dedicatória”. Logo na folha de abertura de “O que vier eu traço” (48 páginas).
Isso é só o começo da obra. Literalmente. Sem contar o autógrafo: “Com uma crise dessas e você fica gastando dinheiro com livro de cartuns?? Toma jeito!!!!”. Do Lukas, datado de 3 de dezembro de 1993.
Assim era Marcos Cezar Lukaszewing (1962-2011), artista gráfico que fez sucesso nas páginas do jornal O Diário do Norte do Paraná, principalmente nos anos de 1980/90. Ele fazia humor com palavras e imagens a partir da observação do cotidiano de Maringá. Seja por meio de charges na página 2 desse periódico já extinto, seja em sua coluna dominical de página inteira.
“O que vier eu traço” marcou sua estreia no universo dos livros. Hoje esgotadíssimo, é verdadeira raridade. Encontrável somente nas coleções particulares e nas bibliotecas municipais da Cidade Canção. Merecia uma nova edição, ampliada, com fortuna crítica. Mas isso dependeria dos direitos autorais do cartunista e de iniciativas.
Trata-se de coletânea de tiras e cartuns, reunindo situações do dia a dia em que o cartunista destilava suas observações bem sacadas. Aliás, uma das marcas de seu trabalho é fazer piada com trocadilhos e momentos banais. O título do livro segue essa linha, dando duplo significado à palavra “traço”: de desenhar e topar tudo. A capa tem um desenhista segurando um baita de um pincel, verdadeiro bitelão.
No prefácio, Paulo Roberto Pereira de Souza escreve que Lukas tinha uma irreverência sutil e profunda, retratando “com propriedade o que o brasileiro tem de mais forte e característico: um apurado e fino humor”.
“Passando pela análise da política e dos políticos; do sofrimento do brasileiro decorrente da profunda crise econômica que está vivendo e pelos desencontros das medidas econômicas que está vivendo e pelos desencontros das medidas econômicas governamentais, analisando o esporte, a educação, enfim, o nosso cotidiano, vê o mundo com os olhos daquele que neutraliza os sentimentos menos nobres quando aplica com sua sensibilidade um humor inteligente”, diz Souza.
Como bom observador, Lukas captava o espírito de sua época, ou seja, a crise econômica daqueles tempos de inflação lá nas alturas na virada dos anos de 1980 para os 90. Com isso, apareciam tirinhas com personagens pobres, sujos e feios. Inclusive, o estilo do artista era do traço rudimentar e simples mesmo, feito propositalmente para marcar essa imagem esquálida do maringaense, do brasileiro.
Logo na primeira página de desenhos, o autor brinca consigo próprio ao inserir um “Lukas apresenta: Lukas”. Sua versão em papel se orgulha da vida bem-sucedida, com grana, carro, apartamento etc. Tudo isto às custas de sua imaginação. Só que é uma palavra em sentido duplo. Bom não estragar a surpresa, com um spoiler… mas já dá para notar que o cartunista não está tão bem assim.
Logo embaixo, na mesma folha, figura uma tirinha em três quadros, personagem desamparado, às voltas com remédio para ser tomado antes das refeições. Um comprimido a cada vez. “Tô até vendo a caixinha durar 2 meses!”, diz, em meio a uma casa paupérrima, sem comida.
O humor “lukasiano” era feito dessas pequenas “estocadas”, subvertendo a lógica para fazer sua crítica.
É o caso do cartum “Voto do analfabeto”. Num tempo em que se votava em cédula de papel, o personagem do eleitor pergunta para o mesário se “x” era com “x” ou “ch”. Nem precisa explicar!
Personagens
A edição de “O que vier eu traço” na Biblioteca Centro de Maringá é datada de 1991. Aparentemente, seu lançamento ocorreu com apoio do então Centro Educacional Nobel, que foi anunciante da histórica “Coluna do Lukas”, publicada aos domingos em O Diário.
Nesse livro ainda não havia os personagens que fariam a festa dos leitores e leitoras ao longo dos 20 anos de carreira de Lulas. Caso de Vagauzinho (do “eu si divirto”), Argemiro dos Santos, Odenilson dos Santos, Os Mendigos, Noca da Sabáudia e o Vô.
Trajetória
Segundo informações do projeto “Maringá Histórica”, Marcos Cezar Lukaszewing nasceu em Mandaguari (PR) no dia 30 de junho de 1962. O apelido Lukas foi criado muito tempo depois, quando o lendário Jaguar de O Pasquim achou o sobrenome difícil de falar.
A partir de 1982, começou a publicar tiras em fanzines, um tipo de publicação alternativa conhecida também como “zine”. Até que chegou às páginas de O Jornal de Maringá, em 1987; e O Diário do Norte do Paraná, 1991.
Uma de suas charges causou frisson ao ser tema do vestibular da Universidade Estadual de Maringá (UEM) em 1991. Originalmente, esse trabalho saiu em edição da Gazeta Maringaense de 1990. Em tempo: a reprodução da charge está na quarta capa de “O que vier eu traço”. “O cartum, que expressava com acidez a realidade do transporte coletivo de Maringá, tornou-se bastante popular”, diz o “Maringá Histórica”.
O cartunista morreu no dia 29 de agosto de 2011. Lukas, que tinha 49 anos, estava internado na UTI do Hospital São Marcos. Ele estava com pneumonia e seu organismo já vinha debilitado de uma cirurgia, por conta de um câncer na garganta, descoberto em janeiro do ano anterior. Ao todo, a luta contra a doença resultou em três intervenções cirúrgicas.
Além de “O que vier eu traço” (1988), Lukas lançou “Demos Graças” (2000). Segundo o “Maringá Histórica”, o cartunista planejava o terceiro livro, mas foi adiado por conta da doença. Nas horas vagas, escrevia em seu blog, o “Casa do Noca”. “Nos momentos mais difíceis, as atualizações eram feitas por sua esposa, Isa”, diz o projeto.
Em vídeo
Para saber mais sobre a vida e a obra do criador do “di menor” Vagauzinho, fica a dica de duas produções em vídeo.
Uma é “Lukas, perfil” (2013), documentário produzido pelos jornalistas recém-formados Camila Munhoz e Gustavo Hermsdorff como trabalho de conclusão de curso. Os profissionais foram orientados pela professora Elaine Guarnieri. AQUI
Outra é o episódio do “Maringá Histórica” chamado “Lukas, o cartunista”. AQUI