A proposta de privatização e expansão da hidrovia Paraná-Paraguai, que conectaria Cáceres (MT) a Corumbá (MS), tem gerado intensos debates sobre seus potenciais impactos ambientais e socioeconômicos. Embora o projeto prometa melhorias na logística para o transporte de cargas, especialistas destacam os riscos de danos irreparáveis ao bioma Pantanal, agravando crises hídricas e colocando em xeque a biodiversidade local.
Um Projeto Antigo com Novos Questionamentos
De acordo com Gustavo Figueirôa, biólogo e diretor do SOS Pantanal, o projeto da hidrovia não é recente, mas enfrenta desafios técnicos e ambientais desde sua concepção há 30 anos. O trecho sul, entre Corumbá e Porto Murtinho (MS), já opera, mas apresenta limitações severas durante períodos de seca.
“Não se tem um consenso sobre a viabilidade financeira dessa hidrovia. Vai ser um investimento altíssimo, e em boa parte do ano o rio continuará inavegável por causa da seca”, alerta Figueirôa.
As previsões para 2025 reforçam esse cenário, com chuvas abaixo da média e secas prolongadas. Além disso, o impacto socioambiental das obras, que incluem dragagem e intervenções em áreas sensíveis, como o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense, pode alterar o já fragilizado regime de cheias do Pantanal.
O Perigo de Alterar o Pulso de Inundação
O regime de cheias do Pantanal é essencial para manter sua biodiversidade e garantir a sobrevivência de espécies que dependem das inundações sazonais. Intervenções como dragagem e derrocagem podem acelerar o fluxo dos rios, reduzindo a capacidade de retenção de água e comprometendo o ciclo natural do bioma.
André Siqueira, diretor da ONG Ecoa, destaca os problemas históricos gerados pelas alterações na bacia do Alto Paraguai:
“Se você tira as curvas dos rios, você aumenta muito a vazão, muda completamente o comportamento do rio, e aí você tem menos água dentro do campo, dificultando as inundações.”
Essas mudanças intensificam o assoreamento, reduzindo a capacidade dos rios de manter água durante o ano e agravando as secas.
Alternativas Mais Sustentáveis
Os especialistas defendem soluções alternativas ao projeto de expansão da hidrovia, como o uso de ferrovias para o escoamento de cargas e a adaptação de embarcações para navegar em trechos rasos.
“As ferrovias são uma solução muito mais segura e barata a longo prazo, além de serem menos impactantes ambientalmente”, afirma Figueirôa.
Outra proposta inclui o desenvolvimento de embarcações mais largas e chatas, que possam operar em áreas de baixa profundidade sem a necessidade de intervenções agressivas no bioma.
A Privatização do Rio Paraguai
Enquanto os debates continuam, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) abriu uma consulta pública até 23 de fevereiro para discutir a concessão da hidrovia. O projeto prevê investimentos em dragagem, derrocagem, sinalização e melhorias na gestão do tráfego hidroviário.
A tarifa estimada para o transporte de cargas, após as obras, seria de R$ 1,27 por tonelada transportada. O objetivo seria garantir navegabilidade durante todo o ano, com calado de 3 metros na cheia e 2 metros na seca.
Um Alerta para o Futuro
Especialistas enfatizam que a expansão da hidrovia Paraná-Paraguai deve ser analisada com cautela, considerando os impactos socioambientais e a viabilidade econômica. A busca por alternativas menos prejudiciais, como ferrovias e embarcações adaptadas, é fundamental para preservar o Pantanal, um dos biomas mais importantes e ameaçados do mundo.
“Alterar o pulso de inundação de um bioma que depende desse pulso é como dar uma facada no coração. Precisamos pensar em soluções que preservem o Pantanal e sua biodiversidade”, conclui Figueirôa.
*Extraido de Matéria da Parceira do O Maringá, Sputnik Brasil