O dia em que a geada queimou todo o café do Paraná

Derrubada dos pés de café após a geada (Crédito: Acervo Museu Histórico de Londrina)

Era um 18 de julho. Um dia de frio intenso no Paraná. Uma geada negra, daquelas que congelam dentro. Em 18 de julho de 1975, uma das maiores geadas já registradas no Estado devastou os cafezais. “Não sobrou um único pé de café”, estampava o jornal Folha de Londrina daquela época. “Geada queimou quase tudo”, manchetava a Folha do Norte do Paraná.

As temperaturas chegaram a -3,5ºC registradas em abrigo e, sobre a relva, a 5 cm do solo, a -9ºC. O solo estava encharcado e a baixa temperatura foi suficiente para causar o congelamento direto da seiva das plantas. A insolação de mais de dez horas acelerou o choque térmico dos tecidos das plantas já danificadas e ampliou os efeitos da geada negra – extremamente destrutiva.

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Naquela manhã de 18 de julho, a estimativa era de que pelo menos 60% dos cafezais que cobriam 1,8 milhão de hectares foram destruídos. Era o fim de um ciclo econômico do Estado. O Paraná tinha conquistado no início dos anos de 1960 a liderança de produção de café, ultrapassando São Paulo, com cerca de 21,3 milhões de sacas, representando 64% do volume nacional.

Em 1975 foram retirados 10,2 milhões de sacas, o que correspondia a quase 50% da produção nacional. Imediatamente depois da geada de 1975 o Estado ainda manteve participação importante na produção, chegando a representar mais de 20% da safra nacional no final da década de 1980, porém nunca mais liderou. Já na década de 1990 a participação média foi de menos de 10%, baixando para menos de 5% nos anos 2000 e menos de 3% nos anos 2010.

Em 1970, segundo dados do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura e do Abastecimento do Paraná (Seab), o estado contava com 1,04 milhão de hectares de terra com pés de café plantados, colheu no ano seguinte, 768 mil toneladas do grão – algo em torno de 12,8 milhões de sacas de 60 kg – e respondeu por 49,5% da produção nacional. Um ano após a geada negra, a área plantada foi reduzida a 3,7 mil hectares no Paraná – ou seja, -99,64% –, e foram colhidas 231 toneladas de café, o que correspondeu a 0,06% da produção brasileira.

Capa do “Jornal do Bispo” daquela época (Crédito: Tiago Valenciano)

Fim de um ciclo
No jornal O Estado de S.Paulo, de 19 de julho de 1975, o título da reportagem era catastrófico: “Chega ao fim um ciclo do café no Paraná”. O texto assinado por Francisco de Oliveira dizia que a “maior geada de todos os tempos” destruiu todas as lavouras cafeeiras do Estado. Nem o trigo se salvou naquela madrugada gelada de 18 de julho. O final de uma era. “Para os ruralistas e grupos econômicos, o fenômeno marca o início de um novo período econômico no Estado, colocando fim ao ciclo do café, que – segundo as mesmas fontes – nunca mais terá a mesma expressão econômica de antes, passando a se constituir num produto secundário”.

O café estava todo queimado. A geada negra recebe esse nome pelo fato de deixar as plantas queimadas, pretas, como se tivessem sido atingidas pelo fogo. Isso acontece por causa do vento, que faz com que, no caso do café, o frio extremo atinja o tronco da planta. Há 50 anos, essa geada foi causada por uma massa de ar polar que derrubou as temperaturas, fez nevar em Curitiba em 17 de julho e avançou com intensidade “mapa do Brasil acima”, causando os maiores danos na madrugada do dia seguinte, 18 de julho.

Na reportagem do Estadão de 1975, o Paraná tinha 900 milhões de pé de cafés. Depois do desastre, as previsões dos técnicos naquele momento era de erradicar metade dessa quantidade, provocando prejuízo de 7,3 bilhões de cruzeiros (a moeda da época). Consequentemente, 150 mil pessoas (maioria de bois-frias) estariam desempregadas. A história mostra que ocorreu um grande êxodo do campo para a cidade nesse fim do ciclo cafeeiro.

Com a derrocada do café, a soja cresceu e hoje ocupa uma área estimada em 5,8 milhões de hectares no Paraná para a safra 2024/25, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Produção prevista de 21,4 milhões de toneladas.

Então governador Jayme Canet Junior em visita aos cafezais devastados pela geada negra (Crédito: Acervo Arquivo Público do Paraná)

Hoje
A estimativa do Deral para a atual safra é de 718 mil sacas (43,1 mil toneladas), produzidas em 25,4 mil hectares, o que representa 1% da safra nacional. Em relação ao Valor Bruto de Produção (VBP) paranaense, a cultura teve renda de R$ 1,13 bilhão em 2024, equivalente a 0,6% de toda renda gerada no território estadual.

O Norte Pioneiro é hoje a maior região produtora do Estado, tendo uma Indicação Geográfica (IG) de origem para o café ali produzido. Apenas o município de Carlópolis concentra um quarto da produção estadual, de acordo com o VBP de 2024. Outra IG foi conquistada pelo Café de Mandaguari, no Noroeste.

Recortes da imprensa da época (Crédito: Montagem/Reprodução/Sesc PR)
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