Baseado em Texto e Entrevista originais da Parceira Sputnik Brasil
A ascensão da China como potência global tem despertado um crescente interesse em seu modelo de governança, que combina tradições milenares com uma abordagem pragmática e moderna. O livro “China: Tradição e Modernidade na Governança do País”, de Evandro Carvalho de Menezes, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explora as bases desse sistema único, destacando como elementos culturais e históricos moldam a administração do país.
A República Popular e a Nação-Família
Segundo Menezes, um ponto-chave para entender o sistema chinês é a questão republicana. Diferentemente do enfoque predominante sobre democracia, o autor ressalta que a República Popular da China é fundamentada no conceito de um governo para todos, o que reflete a transição histórica da antiga república dos nacionalistas para o modelo liderado pelos comunistas em 1949.
Além disso, Menezes apresenta a China como uma “nação-família”, conceito profundamente enraizado na cultura confucionista. Esse entendimento destaca o papel central da família e do respeito à hierarquia como princípios que permeiam a organização social e política do país.
“Pensar a República Popular sem levar em conta esses elementos culturais é não compreender o funcionamento total do Estado chinês”, explica o especialista.
Modernização Coletivista
Um dos aspectos mais marcantes do modelo chinês é sua modernização orientada pela coletividade, em contraste com o individualismo ocidental. Menezes observa que, enquanto a modernização ocidental foi brilhante em promover a emancipação do indivíduo, ela resultou, em muitos casos, em fragmentação social e um individualismo egoísta.
“Na China, o indivíduo se realiza dentro de uma teia de relações. A coletividade é fundamental nesse processo de modernização”, destaca.
Essa diferença também se reflete na abordagem diplomática chinesa, calcada na complementaridade e na paciência, simbolizadas pela filosofia do yin e yang. O especialista observa que a China espera por condições favoráveis antes de tomar grandes decisões, em oposição à urgência que caracteriza o Ocidente.
Influências e Valores na Governança
Outro elemento central do modelo chinês é a presença do Partido Comunista em todas as esferas da sociedade, algo previsto na Constituição. Mesmo em empresas privadas, hospitais ou escolas, basta a presença de três membros do partido para formar uma unidade primária. Essa inserção reflete a integração entre Estado e sociedade, reforçada por estruturas como comitês de bairros e vilas, cujos membros são eleitos diretamente pela população.
A governança chinesa também é profundamente influenciada pelo confucionismo, que enfatiza a virtude e a moralidade do governante. Isso contrasta com líderes ocidentais que frequentemente exibem comportamentos incompatíveis com o que a cultura chinesa espera de suas lideranças.
“Na China, é inimaginável que um presidente tenha um estilo verborrágico ou moralmente questionável. O [presidente] Xi Jinping, por exemplo, frequentemente cita filósofos chineses e demonstra um forte compromisso com a sabedoria e os valores da nação.”
A Lenta Construção da Modernidade
A abordagem chinesa para a modernidade é marcada pela paciência, refletida até mesmo em seus mitos de criação. Menezes compara o mito de Pangu, no qual o universo foi criado em um processo de milhares de anos, com o Big Bang ou a criação em seis dias do Ocidente. Essa diferença ilustra o ritmo mais deliberado da China, que valoriza o longo prazo e a construção gradual das condições ideais.
Uma Governança em Harmonia
O modelo de governança da China oferece uma perspectiva única, que equilibra tradição e modernidade, coletividade e pragmatismo. Sua abordagem paciente, fundamentada na ética confucionista e na inserção do partido na sociedade, contrasta fortemente com o individualismo e as práticas de governança do Ocidente.
Diante de um mundo cada vez mais fragmentado, a China apresenta um modelo alternativo, onde a harmonia social e a conexão histórica desempenham papéis cruciais na construção do futuro.