Carta aberta publicada por entidades ligadas a Educação pede revogação da Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017)

Entidades e movimentos ligados ao direito à educação assinaram carta que expõem motivos do pedido pela revogação

Educação

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Entidades e movimentos ligados ao direito à educação assinaram a carta aberta “Pela revogação da Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017)”.

O documento foi publicado no dia 8 de junho e apresenta 10 razões que evidenciam o caráter antidemocrático desta Reforma, que é um projeto de educação avesso à equidade e ao combate das desigualdades  sociais e educacionais.

Segue teor da Carta:

PELA REVOGAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO
(LEI 13.415/2017)
No ano de 2003, que marcou o início do governo Lula, foi realizado em Brasília umseminário intitulado Ensino Médio: Ciência, Cultura e Trabalho, cujo propósito eradebater e propor uma política de educação básica de nível médio tendo no centroduas problemáticas: enfrentar a fragmentação curricular que sempre caracterizouesta etapa educacional e colocar no centro desse debate as juventudes quefrequentam a escola pública no Brasil.
O evento representou um ponto de inflexão na busca por um novo projeto de EnsinoMédio no Brasil que fosse capaz de organizar a massificação improvisada dosperíodos anteriores e de democratizar o currículo desta etapa de ensino. Afinal, opaís havia passado de pouco mais de três milhões de matrículas no Ensino Médiono início dos anos 1990 para nove milhões em 2004! As perguntas centrais eram:qual Ensino Médio para essas juventudes? Que juventude é essa que passa aintegrar a última etapa da educação básica?
Em termos de proposições, o que resultou daquele encontro – e contava com orespaldo de uma vasta produção de conhecimento – é que se estava diante danecessidade de construir um currículo menos fragmentado, mais integrado e capazde permitir uma compreensão densa de um mundo cada vez mais complexo.
Em decorrência daquele debate, se seguiram algumas experiências no terreno dapolítica educacional: em termos curriculares, adquiriu centralidade o eixo ciência,cultura, trabalho e tecnologia, compreendidos enquanto dimensões da vida emsociedade e da formação humana. A tentativa de reformulação curricular se fezpresente nas novas diretrizes curriculares nacionais exaradas pelo ConselhoNacional de Educação (Resolução CNE n. 02/2012), no Programa Ensino MédioInovador, no Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, dentre outrasações.
Na contramão de tudo o que vinha sendo encaminhado, temos hoje uma Reformado Ensino Médio que, em vez de integrar, desintegra. A Reforma vigente no país foiapresentada como Medida Provisória (MP 746/2016) poucos meses após aascensão de Michel Temer à Presidência da República, em consequência doimpeachment da presidenta Dilma Rousseff. Com isso, o então presidente abortouo (ainda que insuficiente) processo de discussão sobre o Ensino Médio iniciado na Câmara dos Deputados em 2012. O uso do expediente autoritário da Medida Provisória para realizar uma reforma educacional foi criticado por entidades dasociedade civil organizada, mas também pelo então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, que apresentou parecer ao Supremo Tribunal Federal alegando ainconstitucionalidade da medida.
Ainda no ano de 2016, houve um intenso movimento de ocupações estudantis nasescolas de Ensino Médio e nas universidades públicas em 19 estados da federação,sendo alvos dos protestos a MP 746 e a PEC 241 do teto de gastos primários dogoverno de Michel Temer. O recado contra a proposição da Reforma foi dado pelajuventude brasileira.
Em 2017, a MP 746 foi convertida na Lei 13.415/2017, e o governo de extremadireitaeleito em 2018 aliou-se à Reforma para aprovar os documentos legais quedariam sua sustentação normativa. Assim foi estruturado e executado o edital donovo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) adaptado à Lei 13.415/2017, bemcomo aprovadas a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as DiretrizesCurriculares Nacionais para o Ensino Médio em 2018.
Assim, desde 2016, a Reforma do Ensino Médio assumiu a característica de projetoantipopular e de contornos autoritários. Sua implementação perpassou o governoilegítimo de Michel Temer e ganhou continuidade natural no governo de extremadireitae de viés conservador de Jair Bolsonaro, que ganhou as eleições após umacampanha eleitoral marcada pela desinformação.
Nem mesmo a pandemia de Covid 19 e a gestão federal desastrosa que resultou em667 mil mortes no Brasil foram suficientes para frear os anseios reformistas, que seaproveitaram da suspensão das aulas presenciais para acelerar a aprovação decurrículos estaduais sem a devida participação das comunidades escolares, emflagrante desrespeito ao princípio constitucional da gestão escolar democrática. Aimplementação da Reforma do Ensino Médio pelos estados durante a pandemiarevela mais uma de suas facetas perversas, impossibilitando o debate democrático,dificultando o controle social e aprofundando processos de precarização eprivatização da educação pública.
Ao publicar a MP 746/2016, o governo Temer justificou a medida com três objetivosque seriam alcançados pela Reforma: 1) tornar o Ensino Médio mais atrativo aosjovens, permitindo que estes possam escolher itinerários formativos diferenciados;2) ampliar a oferta de ensino em tempo integral; e 3) aumentar o aspectoprofissionalizante do Ensino Médio.
No entanto, a implementação acelerada da Reforma em estados como São Paulodesnuda a falácia sobre a necessidade de diminuir o número de disciplinas noEnsino Médio, uma vez que, com os itinerários formativos, criou-se um conjunto denovas disciplinas sob a orientação de institutos e fundações da sociedade civilvinculadas ao capital, enquanto as disciplinas ligadas aos campos científicos,culturais e artísticos tradicionais da docência profissional em nível médio forameliminadas do currículo – num claro movimento de desmonte das possibilidades deformação científica e humanística da juventude que estuda nas escolas públicas.
A tão propalada liberdade de escolha por parte dos estudantes, uma das principaisbandeiras de propaganda dos governos em defesa da reforma, tem se mostrado umengodo, visto que a escolha se restringe aos itinerários formativos disponibilizadospela escola, e que nunca abrangem a totalidade de possibilidades das redes de ensino.1 Ainda que, para alguns estudantes, a mudança de escola para cursar oitinerário desejado possa ser uma opção, isso não ocorre para a maioria,especialmente nos quase três mil municípios do país que possuem uma únicaescola pública de Ensino Médio.
Até aqui, todas as evidências apontam para um mesmo fato: o compromisso daatual Reforma do Ensino Médio não é com a consolidação do Estado Democráticode Direito e nem com o combate às desigualdades sociais e educacionais no país.A Reforma está serviço de um projeto autoritário de desmonte do Direito à Educaçãocomo preconizado na Constituição de 1988. De fato, os primeiros impactosconcretos da implementação da Reforma nos estados vão mostrando que a Lei13.415/2017 vincula-se a um projeto de educação avesso à democracia, àequidade e ao combate das desigualdades educacionais, uma vez que ela:
  1. Fragiliza o conceito de Ensino Médio como parte da educação básica,assegurado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), namedida em que esta etapa deixa de ser uma formação geral para todos. A incorporação do Ensino Médio na educação básica foi uma conquistarecente do processo de democratização, e ainda não consolidada. Diantede um ensino secundário historicamente elitista, estratificado epropedêutico, a integração do Ensino Médio à educação básica foi umamedida importante para democratizar esta etapa, juntamente com agarantia de oferta de ensino noturno adequado às condições dosestudantes trabalhadores e da modalidade de Educação de Jovens eAdultos (EJA) – ambos negligenciados pela Lei 13.415/2017;
  2. Amplia a adoção do modelo de Ensino Médio em Tempo Integral semassegurar investimentos suficientes para garantir condições de acesso epermanência dos estudantes, excluindo das escolas de jornada ampliadaestudantes trabalhadores e aqueles de nível socioeconômico mais baixo,bem como estimulando o fechamento de classes do período noturno e daEJA;
  3. Induz jovens de escolas públicas a cursarem itinerários de qualificaçãoprofissional de baixa complexidade e ofertados de maneira precária emescolas sem infraestrutura. Evidência disso é o Projeto de Lei 6.494/2019que tramita na Câmara dos Deputados e visa alterar a LDB, propondo oaproveitamento “das horas de trabalho em aprendizagem para efeitos deintegralização da carga horária do Ensino Médio até o limite de 200 horaspor ano”. Mais uma vez, o que se propõe é a interdição do acessoqualificado ao conhecimento científico, à arte, ao pensamento crítico ereflexivo para a imensa maioria dos jovens que estudam nas escolaspúblicas, e que respondem por mais de 80% das matrículas do EnsinoMédio no país;
  4. Coloca em risco o modelo de Ensino Médio público mais bem-sucedido e democrático do país: o Ensino Médio Integrado praticado pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Trata-se de um modelo que adota cotas sociais e raciais de ingresso desde 2012 e que apresenta resultados excelentes em avaliações de larga escala como o PISA. Seu centro organizador é a integração entre uma Formação Geral Básica fundada nos princípios do trabalho, ciência, cultura e tecnologia e a Educação Profissional de Nível Técnico. A Lei 13.415/2017 rebaixa a educação profissional à condição de “itinerário formativo”, dissociando a formação geral básica da educação profissional;
  5. Aumenta consideravelmente o número de componentes curriculares eacentua a fragmentação. Uma das justificativas para a Reforma do EnsinoMédio era justamente a necessidade de diminuir o número de disciplinasescolares obrigatórias. Contudo, a implementação da Reforma nosestados vem realizando exatamente o contrário. Embora existamvariações entre as redes estaduais, no estado de São Paulo – a título deexemplo – o 2o ano do Ensino Médio em 2022 possui 20 componentescurriculares;
  6. Desregulamenta a profissão docente, o que se apresenta de duas formas:1) construção de itinerários formativos que objetivam a aquisição decompetências instrumentais, desmontando a construção dosconhecimentos e métodos científicos que caracterizam as disciplinasescolares em que foram formados os docentes, desenraizando a formaçãoda atuação profissional; e 2) oferta das disciplinas da educaçãoprofissional por pessoas sem formação docente e contratadasprecariamente para lidar com jovens em ambiente escolar. Tudo isso ferea construção de uma formação ampla e articulada aos diversos aspectosque envolvem a docência – ensino, aprendizagem, planejamentopedagógico, gestão democrática e diálogo com a comunidade;
  7. Amplia e acentua o processo de desescolarização no país, terceirizandopartes da formação escolar para agentes exógenos ao sistemaeducacional (empresas, institutos empresariais, organizações sociais,associações e indivíduos sem qualificação profissional para atividadesletivas). Uma das dimensões desse problema é a possibilidade de ofertartanto a formação geral quanto a formação profissionalizante do EnsinoMédio a distância, o que transfere a responsabilidade do Estado degarantir a oferta de educação pública para agentes do mercado, comefeitos potencialmente catastróficos para a oferta educacional num paíscom desigualdades sociais já tão acentuadas;
  8. Compromete a qualidade do ensino público por meio da oferta massiva deEducação a Distância (EaD). A experiência com o ensino remotoemergencial durante a pandemia da Covid-19 demonstrou a imensaexclusão digital da maioria da população brasileira, que impediu milhõesde estudantes das escolas públicas de acessarem plataformas digitais eambientes virtuais de aprendizagem. As mesmas ferramentas utilizadasdurante a pandemia estão agora sendo empregadas pelos estados naoferta regular do Ensino Médio, precarizando ainda mais as condições deescolarização dos estudantes mais pobres;
  9. Segmenta e aprofunda as desigualdades educacionais – e, por extensão,as desigualdades sociais –, ao instituir uma diversificação curricular pormeio de itinerários formativos que privam estudantes do acesso aconhecimentos básicos necessários à sua formação, conforme atestampesquisas comparadas que analisaram sistemas de ensino de váriospaíses 2;
  10. Delega aos sistemas de ensino as formas e até a opção pelocumprimento dos objetivos, tornando ainda mais distante a consolidaçãode um Sistema Nacional de Educação, como preconiza o Plano Nacionalde Educação 2014-2024 (Lei 13.005/2014).
Pelas razões acima expostas, é fundamental que o próximo governo do campodemocrático REVOGUE A REFORMA DO ENSINO MÉDIO e abra um amplo processode discussão sobre esta etapa da Educação Básica apoiado nos princípiosestabelecidos na LDB de 1996 e nas discussões e construções teóricas acumuladasno campo progressista e democrático, de forma que qualquer mudança sejarespaldada em um processo participativo e democrático.
Brasil, 08 de junho de 2022.
ASSINAM ESTA CARTA:

O teor da Carta aberta está disponível para download no link: AQUI

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