Epifanias do Cotidiano – O homem mais mentiroso da cidade

Imagem: Arquivo O Maringá

Por: Eduardo Xavier

 

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Certa tarde — talvez, uma incerta vespertina — lá estava ele. Virava a esquina com seu corpo magro, pernas longas e finas, vestindo calças largas de alfaiate, cabelo cuidadosamente engomado e bigode aparado. Caminhava a passos largos, de forma desengonçada, com um sorrisinho de canto de boca, em direção ao grupo posicionado entre a calçada e a rua, naquele reduto onde todos se conheciam e compartilham histórias como velhos e bons amigos. Desde as mais sérias, passando pelas fofocas, até as estapafúrdias, todas desembocavam no rio mais largo e profundo da mentira. Mais gentil tratar como fabulação.

Agenor, conhecido advogado de Maringá, era famoso por suas histórias surpreendentes e divertidas. Também se autoproclamava um faz-tudo. Mentia por amor à arte. Era um mentiroso lírico, adepto da boa mentira, daquelas que não prejudicam ninguém. Contudo, ele não aceitava a alcunha de mentiroso. E, por certo, ninguém era dotado de coragem suficiente para afirmar que algo inventado por esse contador de histórias era fruto da mentira.

O ditado “mentira tem perna curta” parecia não fazer sentido por aqueles lados da cidade. As mentiras de Agenor nem pernas tinham. Eventualmente, tinham tronco. Mentiras anãs. Contrariavam outros pensamentos populares, como “mentiroso não se cria”. Por lá, cria-se, sim, um mentiroso nesses moldes.

A máxima sensacionalista de que “tudo que é ruim de passar é bom de contar e tudo que é bom de passar é ruim de contar” não se encaixava em suas narrativas. As histórias de Agenor se apegavam ao extraordinário, ao absurdo, aos desatinos, traduzindo-se em vantagens de um faz-tudo, um MacGyver tupiniquim. No bairro desprovido de grandes emoções, o que seria da gente sem Agenor e suas mentiras? Apenas uma vida dolorosamente entediante.

Certamente, Agenor teria sido cultivado por Suassuna, grande apreciador da arte de mentir, se tivesse sido descoberto por ele, lá por Taperoá. Dotado de um talento natural, Agenor parecia capaz de superar o mestre com suas histórias, que ninguém ousava contestar ou desfazer. Por respeito ao homem honrado ou medo de represálias, ele era intocável.

Naquele dia, Agenor chegou manso à roda de amigos que descansavam sob a sombra de uma árvore. Ali também estava estacionado um Volkswagen Voyage, ano 1997, motor 1.6, câmbio de quatro marchas, bordô — ou vermelho, para quem não era adepto de invencionices sobre cores. Zé, o novo proprietário, havia comprado o carro por intermédio de um conhecido picareta.

A discussão girava em torno da possibilidade de Zé substituir a transmissão de fábrica por uma de cinco marchas, buscando maior rendimento ao motor. Cada um apresentava sua teoria automobilística. Conhecimento acumulado em anos de idas contrariadas e emburradas ao mecânico com os automóveis velhos. Amendoim, depois de expor sua opinião, decidiu consultar Agenor, reconhecidamente entendido de motores, apesar de sua formação metalomecânica, aprendida com o pai, e das leis.

— Compensa trocar, Agenor? — perguntou Amendoim, em uma atmosfera de seriedade.

— Esse carro, com quatro marchas, corre o risco de arrancar o motor em primeira marcha, de tanta potência. Então, é uma boa ideia colocar um câmbio de cinco marchas para dar mais folga ao motor — ponderou Agenor.

Os amigos se entreolharam e deixaram o assunto por ali. Zé, já convencido, decidiu e anunciou em primeira mão que procuraria nos ferros-velhos da Avenida Morangueira uma transmissão usada. Agenor, aproveitando a reunião sob o oiti-cagão, deu início a uma história, desta vez sobre um caminhão.

Ele tirou as mãos dos bolsos da calça bege, sustentada por um cinto preto cheio de furos improvisados, certamente feitos com pregos e, respirando fundo, estufou o peito.

— Motor mesmo tinha um caminhão com o qual trabalhei no transporte de pescado do porto — introduziu a história.

As narrativas de Agenor eram sempre breves, confiantes e certeiras. Apesar de causarem, algumas vezes, indignação interna nos ouvintes de tanta imprudência à verdade, ninguém ousava desmenti-lo. A raiva dos ouvintes ficava represada. Afinal, Agenor exibia no dedo anelar da mão esquerda anel de doutor advogado adornado com rubi.

— Em uma viagem de volta do porto, o velocímetro do caminhão quebrou. Para saber a velocidade, coloquei pela janela uma vara de pescar de bambu. No canteiro central, havia postes de iluminação a cada 100 metros, e a vara fazia tráááááááááááááááááá, de tão rápido que eu ia.

Os amigos o escutavam, atônitos. Agenor, orgulhoso, concluiu:

— Quando cheguei ao destino, a mais de 600 quilômetros, os peixes ainda estavam vivos, pulando nas caixas. Refrigerador? Pra quê?

Meus amigos, o caminhão descrito por Agenor não tinha acoplado baú frigorífico. As caixas com o pescado se amontoavam em um baú comum que o dono da carga só confiava a ele por sua destreza e rapidez ao volante.

Zé entrou em seu Voyage bordô, murmurando que precisava comprar pães e se despediu. Os demais amigos também começaram a dispersar, cada um retornando aos afazeres que há muito tinham abandonado para jogar conversa fora sob o oiti.

Ali, quando o assunto era mentira, as histórias de Agenor logo ressurgiam. Todo mundo sabia pelo menos uma. “O dia que ele…!”, “Mas teve uma vez que ele…!” Eram frases recorrentes.

Agenor personificava a mentira lírica, desprovida de maldade ou prejuízo. As histórias permeavam o imaginário dos moradores do bairro. Era apenas uma pretensão de entretenimento. Aquela localidade jamais seria a mesma sem o ilustre Agenor, querido e aclamado personagem.

* Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

 

 

*As opiniões e ideias expressas neste espaço são de inteira e única responsabilidade do autor(a) que assina o texto*

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