Ciência: Laboratório da USP auxilia no restauro da obra do pintor holandês Frans Hals

Trabalho realizado pelo Instituto de Física da USP utiliza técnicas de análise de imagens que revelam rascunhos e modificações e auxiliam na restauração dos quadros

Frans Hals

As três obras de Frans Hals que passam pelo processo de restauro - Foto: Lenoir Taborda/MASP

O Museu de Arte de São Paulo (Masp) está realizando um projeto de conservação e restauro de três obras do pintor holandês Frans Hals (1581-1666), datadas da década de 1630 e que foram doadas ao museu em conjunto em 1951. O Instituto de Física (IF) da USP, ao lado do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), participou da primeira fase trabalho, que compreende pesquisas bibliográficas e de imagens para estudar as obras em termos de concepção e materiais. São processos de radiografia, reflectografia no infravermelho e macro varredura por fluorescência de raios x. Um vídeo documental sobre as técnicas aplicadas já está disponível no Canal do Masp no Youtube.

O projeto, que acontece ao longo deste ano, é realizado em parceria com o Museu Frans Hals, da Holanda, e já está em sua segunda fase, a restauração. O processo, realizado concomitantemente nas três obras, é feito com acompanhamento de um comitê científico internacional, composto de especialistas de diferentes instituições, incluindo a conservadora-restauradora holandesa Liesbeth Abraham, do Museu Frans Hals, para discutir os tratamentos propostos. Após a conclusão do projeto, as pinturas serão expostas nos cavaletes de vidro com acesso a todos os públicos do Masp.

Hals é reconhecido pela pintura de retratos e de gênero, e é um dos expoentes do chamado Século de Ouro dos Países Baixos. Ele retratou principalmente a burguesia holandesa, em especial os cidadãos de Haarlem, cidade onde morava. Duas das pinturas, pertencentes ao acervo do museu, que estão sendo restauradas, são Maria Pietersdochter Olycan e O Capitão Andries van Hoorn, um casal de influentes burgueses de Haarlem. O terceiro quadro, Oficial sentado, integra o grupo de pinturas sobre membros da guarda civil, frequentemente retratados pelo artista.

Mais equipado do Brasil

O Instituto de Física da USP possui o conjunto mais completo de equipamentos capazes de fazer análises científicas de obras de arte, e por isso é muito requisitado por instituições de patrimônio cultural. Também é um dos poucos grupos no País que faz esse tipo de análise, garante a professora Marcia Rizzutto, do Departamento de Física Nuclear do Laboratório de Arqueometria e Ciências Aplicadas ao Patrimônio Cultural (Lacapc). “Há outros grupos como o Instituto Federal do Rio de Janeiro, ou um laboratório em Londrina que também trabalha com a análise espectroscópica, ou ainda da Universidade Federal de Minas Gerais, que possui esse tipo de equipamento, como enumera a professora. Mas ainda assim são poucos grupos no Brasil”, reitera.

A professora ainda adianta que foi submetido um grande projeto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para a criação de um Centro de Ciência do Patrimônio, dentro do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. “Teremos um laboratório analítico dentro do MAC para atender às demandas tanto do próprio museu como de outras instituições”, revela, informando que a ideia é utilizar todo o conhecimento da equipe para comprar equipamentos de ponta – a partir do modelo do Instituto de Física – e montar um dos laboratórios mais modernos do Brasil.

Trabalho de restauração inclui a obra Maria Pietersdocheter Olycan de 1638 – Foto: Lenoir Taborda/MASP

Análises científicas

A primeira fase do projeto contou com a colaboração do laboratório de arqueometria do IF, que tem como objetivo auxiliar em estudos e pesquisas de objetos do patrimônio histórico, arqueológico e cultural de museus de São Paulo utilizando diferentes metodologias de análise. Para cumprir com esse objetivo, o laboratório conta com um conjunto de equipamentos, alguns deles portáteis para análises in situ, para o estudo de objetos das coleções. No Masp,  o IF realizou os procedimentos de radiografia e reflectografia, que permitiram revelar características, muitas vezes imperceptíveis a olho nu, como o rascunho e as modificações durante o processo de criação das obras. Já a macro varredura por fluorescência de raios-x foi realizada pelo IFRJ, e permitiu escanear toda a superfície da obra, ajudando a compreender a técnica pictórica, além de indicar retoques e repintes realizados ao longo do tempo. Ambas as análises científicas foram fundamentais para um diagnóstico detalhado das pinturas e, consequentemente, para a escolha do tratamento mais adequado para as obras.

Segundo a professora, o Instituto de Física tem uma parceria com o Masp desde 2008, que vem sendo intensificada nos últimos cinco anos, participando ativamente das propostas de restauro das obras da instituição. “Através de técnicas de imagens, como a radiografia, conseguimos levantar se existe algum ‘arrependimento’ do artista, ou seja, se há alguma pintura subjacente. Na sequência, usamos a técnica de reflectografia de infravermelho, que gera imagens de todos os traçados a lápis ou grafite que o autor tenha feito, e que estão embaixo da camada pictórica, dando acesso ao processo criativo da obra”, explica.

Além disso, a professora diz que também são usadas técnicas de espectroscopia para análise da paleta de pigmentos utilizados pelo artista, possibilitando identificar os elementos químicos presentes nos pigmentos e os compostos presentes. “Com a sistematização dos dados temos acesso à paleta de cores que o artista usou e à forma com que ele distribuiu na pintura, ou seja, as misturas de cores que fez”, destaca. São tantas cores de tintas, e o material hoje é totalmente diferente ao utilizado na época, por isso a importância de saber se o artista usou um verde de cromo ou um verde de ferro, para ficar com a mesma cor, exemplifica. Segundo ela, através dessa técnica é possível, inclusive, identificar regiões de restauro ou intervenções que tenham sido feitas, auxiliando a equipe de restauradores e conservadores das obras.

“Eles podem visualizar o processo criativo e o estado de conservação, além de achar a cromaticidade correta para a restauração”, informa. O resultado da análise apontou que”não foram encontrados desenhos sobrejacentes, não houve nenhum arrependimento do artista e nenhuma mudança muito drástica foi feita, sendo que os pigmentos identificados são condizentes com os pigmentos do período da obra”, comenta a professora.

Todo o processo foi realizado no próprio Masp e durou cerca de um ano. “Toda a instrumentação necessária foi levada até o museu e as análises foram feitas pela equipe do laboratório”, conta a professora. Aliás, acrescenta, já foram realizadas muitas outras análises, como em três obras de Portinari, recentemente restauradas, mesmo tipo de processo que está sendo feito agora para as pinturas de Frans Hals. A professora lembra ainda que no Museu do Ipiranga foram feitas diversas análises in situ em várias obras do acervo, como a grande pintura Independência ou Morte, datada de 1888, de Pedro Américo.

Mais informações sobre o Laboratório de Arqueometria e Ciências Aplicadas ao Patrimônio Cultural (LACAPC) do IFUSP estão neste link.

Mais notícias: O Maringá

Por Claudia Costa/Jornal USP

Sair da versão mobile