Crise dobra a procura dos necessitados por ajuda nas igrejas e ONGs

Pessoas físicas também têm sido mobilizadas para socorrer famílias sem emprego e renda

Maria Lucimara e um grupo de amigas têm ajudado uma família com doações (Foto: Arquivo Pessoal)

Com o aprofundamento da crise econômica brasileira, a procura por ajuda nas igrejas em Maringá praticamente dobrou, num claro sinal de que a queda na renda e o aumento do desemprego estão colocando as famílias mais pobres em situação de desespero.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que o país chegou à taxa de desemprego recorde no final de 2020, atingindo 14,3%.

Num cenário desolador, no qual somente no ano passado a saída de capital estrangeiro chegou a R$ 87,5 bilhões, colocando o Brasil numa das últimas opções para os investidores no mundo, a recessão e o desemprego recrudesceram, aumentando o sintoma de que inexiste indício de reação na economia.

Voltando ao desemprego, a pesquisa da Pnad aponta o crescimento em 9% dos brasileiros sem carteira assinada no setor privado, se comparado ao trimestre anterior, de outubro a dezembro de 2019. Isso representa quase 10 milhões a mais de trabalhadores sem o registro na carteira e, por decorrência, sem ter assegurado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o recolhimento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Deixando de ter a carteira assinada, o trabalhador, em caso de dispensa, não terá saldo em conta e nem receberá o valor da multa de 40%, além de perder o benefício de receber o seguro desemprego. Sem o empregador recolher o INSS, o funcionário fica sem o direito a amparos como auxílio doença, auxílio acidente, licença maternidade (se for mulher), ou seja, contribuições imprescindíveis para a aposentadoria ou pensão por morte para os dependentes.

Para piorar, o levantamento da Pnad ainda mostra o elevado contingente de pessoas desalentadas, as que não buscaram trabalho, mas gostariam de conseguir uma vaga e estavam disponíveis. São quase 6 milhões de brasileiros, estável em relação ao último trimestre, porém 25% maior que nos últimos três meses de 2018.

As igrejas funcionam como termômetro da demanda por ajuda, especialmente de famílias desamparadas. Integrante de uma comunidade que se reúne nas casas, denominada “Ser Igreja.Com”, Izair de Lourdes da Silva diz que a necessidade das pessoas mais desprotegidas aumentou bastante, mas o volume de arrecadação para doar se mantém mais ou menos igual.

Ela entende que a crise pegou a maioria de surpresa e em muitos casos provocou o desemprego dos casais nos lares. Com o agravamento da crise, segundo Izair, surgiram outras pessoas em situações difíceis, em busca do básico para se alimentar e de remédios. Por outro lado, ela percebeu o advento expressivo de pessoas empenhadas em ajudar.

Para Izair, o auxílio é bom e necessário, “mas seria bom se tivéssemos condições de ajudá-los [necessitados] a mudar de vida”. Ela avalia que “a situação de extrema necessidade mata a esperança e sem esperança não existe esforço para sair desta situação. É muito difícil!”.

Izair pertence a uma igreja cujos membros se reúnem nas casas. São poucos membros e como não existe despesas com aluguel e outros desembolsos, toda a arrecadação é direcionada para ajudar as pessoas.

 

“Aumentou duas vezes”

Participante da Sociedade São Vicente de Paulo (Vicentinos), da Arquidiocese de Maringá, Amador Domingues de Oliveira relata que o trabalho da instituição aumentou duas vezes mais, “mas graças à sensibilidade [voluntários] está dando para nós atender todas as pessoas”.

Os vicentinos atendem a toda a cidade e, conforme Oliveira, em todos os bairros têm gente necessitando de ajuda. “Estamos precisando de mais pessoas para nos ajudar neste trabalho”, diz o integrante do movimento católico de leigos nascido para se dedicar a promover iniciativas destinadas a aliviar o sofrimento alheio, especialmente dos econômico e social menos favorecidos.

Os interessados em colaborar no trabalho voluntário dos Vicentinos só precisam entrar em contato com o conselho central da entidade ou ligar para o telefone 3262-4712 ou celular 99139-1850.

No Roupeiro Santa Rita de Cássia, mantido pelo Centro Social Maria Tílio e que atua na área social por meio do atendimento a gestantes, idosas e famílias, a procura pelo atendimento se mantém alta.  

A instituição deu suporte a 463 famílias no ano passado, que pegaram roupas para crianças de zero a doze anos e também para adultos. Atendeu ainda a 216 gestantes com a doação do enxoval de bebê. No geral, isso representou, embora sem o cálculo exato, um volume maior de atendimento que o do ano anterior.

Por conta do novo coronavírus, a providência, num primeiro momento da pandemia, foi suspender todas as atividades e fechar as portas por 30 dias.

“Como a assistência é um serviço que não para, as pessoas continuaram procurando nossos serviços”, informa a jornalista Noth Camarão, Relações Públicas da instituição. De acordo com ela, em maio a entidade montou um esquema de revezamento entre as funcionárias, ainda em vigência.

Respeitando os protocolos sanitários anti-Covid, o roupeiro suspendeu as atividades com o grupo de idosas e manteve contato apenas pelo WhatsApp.

“Nosso voluntariado também foi todo suspenso. Desde então, algumas poucas costureiras passam pela ONG e pegam peças para fazer em casa”, esclarece a Relações Públicas. Com quase 50 anos, o Roupeiro, presidido por Maria Amélia Tílio, está na página do Facebook (Roupeiro Santa Rita de Cássia), atendendo pelo telefone 3227-3927.

 

Vendeu o botijão de gás

A bacharel em Direito e pedagoga Maria Lucimara dos Santos Torres tem ajudado, com outras amigas, com as quais participa de um grupo de WhatsApp, uma família do distrito de Iguatemi, distante 15 quilômetros de Maringá. Na família da moradora, para quem são enviadas as doações, apenas a filha mais velha, de 19 anos, está empregada.  

Segundo Lucimara, o pedido de socorro foi comunicado no grupo de WhatsApp e, em poucos dias, a mobilização despertou a sensibilidade de várias donas de casa. Três entregas já foram feitas para a mulher e a coleta para uma terceira remessa teve início entre conhecidas e amigas do grupo. 

A ideia é angariar mantimentos, roupas e sapatos, principalmente.

A boa notícia é que, além de organizar o recolhimento dos donativos para ajudar a família, Lucimara indicou a moradora para uma amiga à procura de diarista e, na última segunda-feira, ficou sabendo que a moradora começou a trabalhar na residência da amiga. “Ontem [quarta, 3] ela me passou que, pela falta de pagamento de aluguel, ela se mudou para uma outra casa. Que já precisou vender o botijão de gás, algumas coisas pessoais para pagar parte aluguel e comprar comida”, informou a advogada.

Situação dramática visto que, no dia 14 de janeiro, quando ocorreu a última doação, além de alimentos, a entrega incluiu R$ 100,00 doados por outra amiga de Lucimara. Mas, pelo jeito, a falta de dinheiro continua sendo a tônica na casa da moradora.

Sair da versão mobile