COLUNA EPIFANIAS DO COTIDIANO
Por: Eduardo Xavier
Fabrício carregava nos ombros, com o peso de um piano de cauda, a estranha sensação de ouvir o eco dos passos na casa toda mobiliada, mas como se os cômodos insistissem em ficar vazios. Um silêncio interno mais alto que o barulho de uma máquina de cravação de estacas em pleno funcionamento em um terreno aberto. Uma amargura metafísica, um tédio de existir. Uma melancolia sem motivo aparente. Uma ausência sem explicação.
Uma fome que não é física, algo que não se consegue nomear. Fabrício abria a geladeira, mas nada o apetecia. Comida não era sua compulsão nesses momentos. Procurava algo para assistir na tevê, mas nada despertava interesse. Um cansaço da alma, um descontentamento, uma inquietação.
Um buraco em seu peito, que não chega a doer de maneira aguda, embora sugue tudo para dentro: a motivação, a alegria, a curiosidade, a capacidade de se sentir pertencente a este mundo. Não é exatamente tristeza. A tristeza tem um motivo concreto, forma e textura, como algo que se coloca na balança e tem o peso identificado. O vazio é diferente. É uma ausência da qual, muitas vezes, não se sabe a cara ou a origem. Figura-se como fantasmagórica.
Fabrício, um homem de 30 anos, bem-apresentável, organizado, em ascensão profissional no escritório de advocacia, buscava, entre milhões de pensamentos simultâneos, algo que o tornasse completo, feliz ou com significado em um mundo que, por agora, lhe parecia excêntrico. Algo intenso.
A distorção da percepção é o motor de propulsão para muita gente recorrer a substâncias psicoativas, jogos, sexo, pornografia, comida, aprovação, validação, conquistas amorosas ou redes sociais na esperança de preencher aquele espaço.
O padrão de Fabrício orbitava em torno de aplicativos de relacionamento, com muitas opções de perfis de mulheres, e das redes sociais. Com o dedo indicador em frenesi na tela do celular, passava pelas candidatas, alternando entre aplicativos de namoro. Algumas eram descartadas, mas a maioria tinha o “coração” clicado por Fabrício, que esperava pacientemente o anzol ser mordido para iniciar um enlace.
Dinâmica do vai e vem. Lembrava o Eufrazino, personagem de Looney Tunes e Merrie Melodies, da Warner Bros. Aloysius Bartholomew Sam, adversário do Pernalonga, atirava a esmo com suas armas. Assim era Fabrício nos apps de namoro. Nas redes sociais, entre uma e outra, verificava likes nas publicações e mensagens. Corações, carinhas com olhinhos meigos de coração, um foguinho, um emoji sapeca, um jeitinho feliz.
Match com Samantha. O dedo da mulher de 29 anos deslizou para a direita na tela. Fagulha de conexão transformada em rede neural com a correspondência de curtidas. No perfil: “Busco algo casual no momento, mas com conexão e respeito. Zero joguinhos. Vamos direto ao ponto: um chope é mais a minha vibe do que semanas de texting”.
Vieram outras. Bruna, Sofia, Sara. Match! A aprovação que Fabrício ansiava para se sentir melhor, já que, indefectivelmente, é mais cômodo, rápido e prazeroso despertar o interesse de alguém, ser validado, do que tentar revolver as próprias lutas internas. E Fabrício tinha muitas.
Chegado o momento de se comunicar, com mais contenção ou ousadia, ele não sabia. Decidiu pelo comum, ao arroz e feijão da conquista amorosa.
— Oi, boa noite! Tudo bem? — perguntou Fabrício a Samantha, a do “algo casual”, no primeiro contato, com uma conversinha de elevador ou ponto de ônibus, aparentemente despretensiosa.
O ser desejado, descrito em um like que se traduzia em autorização para iniciar um diálogo e uma nova conquista, era a prova concreta de que Fabrício tinha valor, de que existia para alguém.
A oportunidade de projetar no outro, na lista de conquistas do aplicativo, a fantasia de que essa pessoa o completaria naquele instante. Embora fosse um saco sem fundo, onde tudo que entra não é capaz de preencher.
Objetos de derivação da ansiedade, da “síndrome da urgência”, dos vícios emocionais, da dependência, da insatisfação, da baixa autoestima, da insegurança, da culpa ou da vergonha de Fabrício. Uma série de sintomas desgastantes que se tornaram crônicos com a fuga, a anestesia e o não reconhecimento.
Comportamentos de Fabrício que não são e nunca foram as causas do problema, mas sim tentativas falhas de solução desse vazio, uma experiência real e angustiante de uma espalhafatosa falta estrutural no psiquismo.
As manobras dos próprios desejos faziam de Fabrício, sem ele ao menos ter consciência disso, refém da necessidade desesperada de um preenchimento imediato e de pertencimento. Cada like tinha o efeito de uma substância que entrava na rede sanguínea com um reforço que dizia: “Você é desejável, importante, válido”. Uma colagem de fragmentos da aprovação alheia. E uma via-crúcis na tela do celular.
A luta interna é inconsciente e os confrontos consigo mesmo são desconfortáveis, isto é certo. A conversa racional consigo mesmo é como enfrentar um carrasco. É um trabalho doloroso e não gera, de início, sensações de prazer.
A diferença é que a validação alheia sustenta a fantasia de que podemos ser “completos”, e quando encontrarmos a aprovação certa, nos sentimos bem. Fabrício buscava e se deparava com essa realidade aparentemente aconchegante. A validação interna exige o luto da completude e a aceitação de que somos seres desejantes, com falta, e que nossa tarefa não é preencher o vazio, mas construir uma vida significativa ao redor dele, aprendendo a suportá-lo e canalizá-lo de forma criativa. Saúde mental.








