Imprensa maringaense dá adeus a Murilo Gatti

Sempre apontado como profissional ideal em qualquer área da Comunicação, Murilo Gatti, vencido por um tumor agravado pela covid-19, é o exemplo de quem sabe administrar o tempo

A foto é da redação de O Diário, há um bom par de anos. Murilo está agachado, de mãos juntas, entre o Rodrigo e o Galleti. Na foto, Castaldelli, Ederson, Elaine, Tele, Rosangela, Isabela, Andréa , Leonardo Filho , Jary Mércio, Maria Aldina, Xavier , Vanda , Wilame , Luiz, Viola e João Paulo.

Aos 41 anos, Murilo Gatti já tinha realizado vários de seus sonhos: formou-se na área que desejava desde criança, namorou a garota que ele considerava a mais linda da universidade, casou-se com ela, a engenheira Fernanda Tasim Gatti, e formou uma bela família com o nascimento das filhas Melissa e Luana, aos 23 anos juntou-se com amigos e fundou um bom jornal na sua cidade natal, mudou-se para Maringá e trabalhou no jornal de seus sonhos, virou repórter de TV, virou produtor e tornou-se editor-chefe, anteviu o declínio do jornal impresso e se juntou a um grupo de amigos que tinham a mesma sensação e montaram, sem pressa e sem apelação para ganhar audiência, um dos mais completos portais de notícias do Paraná, o Maringá Post.

Murilo Gatti morreu na última segunda-feira, um dia antes de completar 42 anos, e basta uma olhada nas redes sociais para perceber o quanto ele era admirado e querido por seus colegas de trabalho, que sempre citam-no como exemplo a ser seguido, tanto como repórter fuçador, profissional superorganizado e pessoa que sempre teve a Ética, assim mesmo, com É maiúsculo, em tudo o que fizesse.

Como era organizado a ponto de pela manhã já ter na cabeça o que deveria ser a manchete do dia, nunca estava atrasado. Quando chegava à Redação do O Diário, por volta das 15 horas, já tinha conversado com suas fontes, levantado o assunto, feito a conferência do fato e ouvido o outro lado. Sem pressa, largava a tiracolo na mesa, ligava o computador e ia para o pátio jogar conversa fora enquanto fumava um palheiro. Fazia o texto em minutos, mas não o entregava ainda para a Editoria porque os fatos ainda podiam mudar até o fim da tarde. Passava o resto da tarde no telefone com suas fontes, certamente levantando o que deveria ser notícia nos dias seguintes. Podia estar enfileirando manchetes.

Os jornalistas que dirigiram a Redação do O Diário, como Rogério Fischer, Wilson Marini, Milton Ravagnani, Walter Tele, Rodrigo Parra e Carla Guedes sempre diziam que Murilo Gatti na equipe não só melhorava a qualidade do noticiário quanto dava tranqüilidade para quem tem a obrigação de fechar a edição.

Na televisão, onde entrou como repórter com o argumento que queria ganhar experiência, o sucesso foi ainda maior. Em pouco tempo, de repórter passou a produtor e chegou a chefe do setor de Jornalismo da Rede Massa/SBT (TV Tibagi) em Maringá. O programa “Tribuna da Massa” terça-feira fez-lhe uma bela homenagem de quase uma hora.

Senhor do tempo

Muitos profissionais de imprensa queriam saber como uma pessoa sempre zen, que não demonstrava pressa em nada do que fazia ou pretendia fazer mais adiante conseguia ao mesmo tempo ser o principal repórter de um grande jornal, produzir diariamente um dos principais programas de TV da cidade, dirigia um portal de notícias na internet, fazia matérias sob encomenda para revistas e outras publicações, acompanhava o andamento de processos na Justiça e ainda tinha tempo para ser marido, pai de duas filhas, freqüentava os ambientes onde estavam amigos, ouvia o que estava na moda, lia os livros que todos devem ler e, certamente, ainda tinha tempo para ele mesmo. Tudo sem atropelo, atropelo nenhum, nem no jeito de falar ou de pitar o palheiro até o fim.

A tranqüilidade era tamanha que ao saber que estava nascendo um novo jornal na cidade, feito por amigos dos tempos de O Diário, se ofereceu para fazer uma coluna sobre política e assim passou a fazer parte também do semanário “O Maringá”.

Sem surpresa, a mensagem estava nas entrelinhas

Nas Redações, nos home offices, nos stúdios ou nas ruas, onde quer que os jornalistas maringaenses estivessem na hora que chegou pelo WhatsApp a notícia do falecimento de Murilo Gatti, as reações devem ter sido parecidas: baixar a cabeça, mão na testa e expressões tipo “meu Deus..”, “caramba!”, “puta vida!”, “que merda!”. Alguns fizeram rápida oração, outros de cabeça baixa lamentando, mas com certeza nenhum se surpreendeu. Ninguém pode alegar que não sabia que Murilo nos deixaria naquele dia, só não sabíamos a hora.

O relato feito no dia anterior pela esposa, a engenheira Fernanda Tasim Gatti, deixava claro que o estado de Murilo já tinha passado daquele ponto até onde se pode ter esperanças. Era questão de horas. Com a coragem de quem convivia com o problema há vários meses, Fernanda preparou os familiares e os amigos.

Desde que Murilo Gatti recebeu diagnóstico de câncer, 10 meses atrás, Fernanda, como deveria ser normal em casa de jornalistas e de um casal que dirige um dos principais portais de notícias do Paraná, sempre manteve a categoria jornalista informada de tudo. Seus relatórios eram postados no grupo de WhatsApp “Jornalistas de Maringá”, com mais de 150 membros, e cada um se encarregava de compartilhar em outros grupos e outras redes sociais.

“Estamos perdendo o Murilo”, disse o experiente Rogério Fischer, ex-editor-chefe de O Diário, ao perceber que as postagens de Fernanda se tornaram diárias e já não falavam de melhoras no quadro clínico do marido, principalmente após ele contrair covid-19 mesmo na segurança de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Como Fischer, ninguém foi pego de surpresa, todos os jornalistas do grupo conseguiram ler as entrelinhas.

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