Zootecnia da UEM é a ‘irresponsabilidade’ que dá certo há meio século

Criação de um curso de Zoootecnia sem estrutura foi uma irresponsabilidade que deu certo

Com palestras, debates e apresentações, continua nesta quarta-feira, 21, no Bloco B33 do campus sede da Universidade Estadual de Maringá (UEM), a II Reunião Estadual de Ensino de Zootecnia do Paraná, evento que celebra os 50 anos da instalação do Curso de Zootecnia da UEM, um dos primeiros do Brasil e que por 25 anos foi único no Paraná.

O evento reúne profissionais da Zootecnia, professores e estudantes, é aberto ao público e será encerrado sábado, 24, no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Rincão Verde, com um churrasco de confraternização. Além do almoço, haverá apresentações musicais, homenagens e esportes rurais, como touro mecânico, laço, e até um torneio de estilingue, entre outros.

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A história por que a viveu

A história dos 50 anos da Zootecnia da UEM está sendo contada desde o primeiro dia da Reunião Estadual de Ensino de Zootecnia de uma maneira que mesmo estudantes que estão começando no curso podem entender a luta, as dificuldades, bem como a importância do curso, tanto para eles próprios quanto para o setor produtivo.

A ideia do Departamento de Zootecnia foi colocar durante esses dias os estudantes convivendo com pessoas que estiveram no nascimento do curso, há meio século, e contribuíram para que ele se tornasse referência no País. Assim, a garotada se conscientiza que também faz parte dessa história, talvez nem tanto a dos primeiros 50 anos, mas da que vem daqui para a frente.

Nesta terça-feira, por exemplo, o diretor do Departamento de Zootecnia, professor Leandro Dalcin Castilha, coordenou uma roda de conversa que contou parte da história do curso e de pessoas envolvidas com a chegada da Zootecnia na UEM, na época uma universidade que dava seus primeiros passos e criava os primeiros cursos.

Assim, os jovens estudantes passaram uma manhã inteira atentos à conversa de senhores de cabelos brancos, com idade para ser seus avós, mas que chegaram ao mesmo campus com a idade que os estudantes têm agora.

Participaram do bate-papo sobre momentos históricos os professores Elias Nunes Martins, Orlando Rus Barbosa e Ulisses Cecato, que se mudaram para Maringá por causa do curso, e Basílio Baccarin, já que o curso nasceu por que ele se mudou para Maringá.

Baccarin está na UEM desde antes da criação da universidade, participou em tudo, esteve envolvido na criação de cursos e na constituições da estrutura de alguns centros, entre eles o das Ciências Agrárias, sendo responsável direto, por exemplo, da negociação que resultou na aquisição da área que hoje é a Fazenda Experimental de Iguatemi, a FEI, onde estudantes de graduação e de pós-graduação de Zootecnia e Agronomia praticam e desenvolvem pesquisas.

O professor Ivan Moreira, outro dos pais da Zootecnia da UEM, há 50 anos brinca dizendo que o professor Baccarin foi “totalmente irresponsável” por criar em Maringá um curso de Zootecnia, que ninguém sabia o que era, para o que servia e o que fariam seus formados.

Segundo o professor Ivan, o curso nasceu sem ter sala, laboratório e onde praticar, não tinha uma propriedade rural e nem animais, sequer uma galinha ou uma vaquinha para mostrar aos alunos qual seria o serviço deles após formados.

A brincadeira do professor Ivan – que, na verdade, nem era tão brincadeira assim – se referia à situação de uma universidade que estava nascendo. As dificuldades e falta de estrutura se verificava também em outros cursos. Foi o caso, por exemplo, do curso de Educação Física, que nasceu na mesma época sem ter sequer um terreno baldio para a prática de qualquer esporte, só tinha uma sala, onde professores ensinavam fundamentos com gestos: “essa é a poosição das mãos para arremessar a bola ao cesto, o chute de ‘truvela’ é com esse lado do pé”. Era normal ver alunos deitados de barriga sobre a mesa do professor dando braçadas e pernadas como se estivessem nadando. Era aula de natação.

Um curso rural para um Estado agrícola

Ao ouvir falar em Zootecnia durante um congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no Rio de Janeiro, o professor Basílio Baccarin fez a mesma pergunta que todo mundo fazia quando ouvia aquela palavra pela primeira vez: o que é isso?

Ele tinha ido ao Congresso representando a UEM e lá ouviu que a Universidade Federal Fluminense estava instalando um curso de Zootecnia, que era novidade porque até então nem existia zootecnista no Brasil. O primeiro curso tinha sido criado três anos e meio antes na Pontifícia Universidade Católica de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e àquela altura tinha chegado também nas federais de Minas Gerais em Belo Horizonte e Viçosa, em Santa Maria e Porto Alegre, ambas no Rio Grande do Sul.

Professores BasíllioBaccarin e Elias Martins contam a história do curso a partir de suas vivências Footo: Luiz de Carvalho

Alguém passou horas explicando a Baccarin que Zootecnia não tem nada a ver com Veterinária, não mexe com doenças de animais. Trata-se de uma ciência e prática que se dedica à criação, conservação e produção animal.

Naquele momento, a cafeicultura, até então base da economia paranaense, havia sido arrasada pela geada negra que mudou a agricultura no Estado, muitos produtores não teriam coragem nem meios para voltar à atividade e previa-se uma mudança muito grande no setor. Talvez boa parte dos cafezais seria substituída por pastagens, fazendo da Zootecnia uma ciência necessária.

Nos meses seguintes, Baccarin vivia de tentar convencer a Reitoria da UEM, professores e a cidade sobre a importância de um curso de Zootecnia, sempre ouvindo aquelas perguntas que ele fez durante o congresso da SBPC: zoo o quê? que é isso, para que serve, a quem interessa?

E ele já tinha a resposta decorada, nem precisava pensar muito para explicar: é uma ciência que abrange diversas áreas, como nutrição, reprodução, melhoramento genético e saúde animal, buscando otimizar a produção de alimentos, fibras e outros produtos de origem animal de forma sustentável e eficiente.

Respondeu tanto que deixou de ser o único irresponsável – como diria o professor Ivan. Sem uma chácara, sem uma galinha amarrada pelo pé, a UEM criou seu curso de Zootecnia, chamou vários professores que nem eram da área, e de lá para cá formou 2.064 zootecnistas que estão espalhados pelo Brasil e outros países, ajudou a fortalecer a pecuária e hoje é referência no Brasil. A ‘irresponsabilidade’ deu certo.

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