Eduardo Xavier fala de “Esquizopó”, seu livro sobre o mundo paralelo da cocaína

O livro que será lançado sexta-feira, 14, é um inventário de dores, perdas e alucionacoes

Eduardo Xavier fala de seu livro Esquizopó

Encarar a verdade, por mais doída que seja, é o jeito que Eduardo Xavier encontrou para não confundir mais o real com a ilusão Foto: Divulgação

Com o livro em que fala das tragédias e perdas provocadas pelo uso de cocaína, o jornalista maringaense quer mostrar a outros sofredores que há saída, mas só para quem aceita ajuda
Luiz de Carvalho

“Nas oportunidades que tenho para conversar sobre drogas com meus filhos, tenho por princíopio não mentir, por mais que doa”.

Isto está logo na primeira linha da apresentação do livro “Esquizopó – entre o mundo fantasioso da cocaína e a realidade”, em que o escritor Eduardo Xavier deixa clara a importância que a verdade ganhou em sua (nova) vida. Motivos ele tem de sobra, pois por muito tempo não conseguia saber o que era real e o que era o mundo paralelo em que passava cada vez mais tempo.

“Esquizopó” é o 4º Passo de Eduardo Xavier, aquele em que ele revira sua vida pelo avesso com a coragem de não esconder nada, pois sabe que nada poderá esconder de si mesmo. E com a coragem de encarar até o que mais dói ou doeu, ele se fortalece para mais 24 horas de sobriedade, tomando muito cuidado com os pensamentos, pois sabe que o irreal está tão próximo quanto o real. Ou mais.

O livro confissão será lançado na próxima sexta-feira, 14, a partir das 17 horas no BeCafé, Avenida Itororó, em frente ao Bosque 2.

 

A vida escapando entre os dedos

Repórter e editor do principal jornal da cidade, o Diário, com a experiência de quem passou por outros órgãos de imprensa, morou em diferentes cidades e até em outro país, casado desde muito jovem, pai de dois filhos que eram tudo em sua vida. Assim era a vida do jornalista Eduardo Xavier até que aos poucos ele foi se afastando do era real para viver em um mundo paralelo, em que todo mundo o perseguia, até as pessoas que mais o amavam queriam matá-lo, enganá-lo. E lá do mundo paralelo ele viu a família do mundo real não conseguir mais suportá-lo, os patrões, colegas de trabalho, amigos, enfim, todos sentiam saudade daquele Xavier que se perdeu na droga e ninguém conseguia trazê-lo de volta.

Primeiro vieram internações compulsórias e ele achava que isso fazia parte da perseguição de pessoas que queriam se livrar dele. O triste para os familiares era vê-lo de volta depois de meses internado, mas na primeira oportunidade voltar à cocaína e ao mundo de alucionações.

 

LUIZ DE CARVALHO – Como você consegue saber se algo que acontece em sua vida é real ou mais uma alucinação?
EDUARDO XAVIER – Não era real o padrão de pensamento que mantinha durante o uso de drogas. O álcool e cocaína causavam alucinações, mania de perseguição, crises de ansiedade, irritabilidade, impulsividade. Entrava em um estado de, digamos, esquizofrenia momentânea, situação que é resumida no título do livro, Esquizopó. Em sobriedade não apresento comprometimento cognitivo, de modo que consigo distinguir com clareza o que é ou não real. A medicação para ansiedade, terapia e espiritualidade ajudam nesse sentido.

 

As perdas e problemas dos tempos de pó doem muito? Elas ocupam muito tempo do seu pensamento?
Trouxe para minha vida uma conta: presente, 70%; passado, 10%; e futuro, 20%. Sou o que sou hoje pelo meu passado, que não me define ou se resume a escolhas mal feitas. As drogas não me definem porque o uso roubava minha essência. As drogas mudavam meu comportamento, corrompiam meu caráter. Não carrego culpa, porque essa seria uma condição, a de arrastar grilhões do passado, que me levaria à recaída. O que tenho é arrependimento por ter magoado muitas pessoas como meu comportamento egoísta, em busca de prazer, principalmente meus filhos e familiares. Perdoar-me faz parte do processo de cura. Tenho receio é pessoas que afirmam nunca errar na vida, o que pode caracterizar ausência de arrependimento ou até um traço de psicopatia.

 

Durante sua vivência com a droga, muitas pessoas também foram afetadas. Você pretende conversar com essas pessoas sobre isso?
No uso de drogas costumava encher o peito e falar, quase sempre aos meus familiares, que estava fazendo mal apenas a mim mesmo. Uma mentira descomunal. O uso de substâncias pode desencadear a dependência química, uma doença progressiva, fatal e incurável, mas que tem tratamento, e também adoece a família, que acaba se tornando codependente. Procuro fazer reparações desde que a ação não prejudique de alguma forma a vida da pessoa. Não tenho o controle na obtenção de repostas positivas dessas reparações. Por isso tenho total compreensão de que quem magoei pode não querer mais minha presença. Com a sobriedade reconquistei a confiança dos meu filhos e da minha mãe, que são as pessoas mais importantes da minha vida. Agradeço por isso todos os dias.

 

Como e quando você se convenceu que a droga era o verdadeiro problema de sua vida?
Não conseguia me imaginar sem drogas. Vislumbrava um futuro com drogas. Essa concepção foi se alterando com acúmulo de perdas na vida financeira, social, de relacionamentos e três internações involuntárias na reabilitação. O despertar final se deu na terceira internação ao enxergar o que eu havia me transformado. Não me reconhecia mais no espelho. Não fisicamente. Falo de alma, psicológico. Vivia para usar e usava para viver e no meio disso vieram prisão, violência, tráfico de drogas, promiscuidade, intolerância, definhamento moral, afastamento da família, isolamento, desiquilíbrio mental, problemas emocionais.

 

Por que as primeiras internações não deram resultado? Por que a terceira foi mais positiva?
Na primeira internação, a minha arrogância levou às recaídas. Na segunda, a mesma história. A cocaína é a droga da arrogância. Voce pode estar todo ferrado, mas a cocaína te faz pensar que está tudo bem, que você é o cara, que não te atinge. E a realidade é totalmente diferente disso. Meu ego não foi aquebrantado mesmo com as perdas após derrotas e duas internações. Cheguei ao fundo do poço em vários momentos, mas acreditava que ainda dava para continuar a usar drogas e levar uma vida “normal”. Conciliar as coisas, em equilibrá-las. Essa condição teve uma reviravolta quando assumi realmente que sou um dependente químico, que não tenho o controle sobre o uso de drogas, que elas estavam destruindo minha vida diariamente e o desejo honesto e real de parar de usar, sem máscaras. Chegar à beira da loucura, bem próximo do precipício, foi definitivo pra eu entender que deveria haver um renascimento para uma nova vida. Acredito em duas formas para parar de usar drogas. A primeira é o caminho do amor, com conscientização. A segunda é pela dor, a exemplo de internações. Eu não consegui pelo amor da minha família. Minha arrogância e autossuficiência não deixaram. Foi pela dor.

 

Ainda faz pouco tempo que você está “limpo”. O que te dá confiança de que não ocorrerão novas recaídas?
Estou limpo há um ano e oito meses. Nunca fiquei tanto tempo sóbrio e a sobriedade é uma conquista enorme na minha vida. Eu curto ficar sóbrio, a paz de espírito que isso me traz. Eu vivo um dia de casa vez. Não penso se daqui um mês, dois meses ou 10 anos vou estar sóbrio ou vivo. Seria um peso muito grande isso, a exemplo da palavra “nunca”. Declarar que nunca mais vou usar drogas é uma bagagem desnecessária. Eu me prendo ao propósito de não usar drogas hoje.

 

Você participa de algum grupo de ajuda mútua? O que faz para aguentar cada 24 horas sem droga?
Já participei de Narcóticos Anônimos, um grupo de autoajuda que salva vidas e tem todo o meu respeito e admiração. Os 12 Passos são extraordinários, uma filosofia de vida. Hoje não frequento mais porque tenho como estratégias de enfrentamento ao uso de drogas a terapia, medicação e espiritualidade. Não existe uma receita para o enfrentamento da dependência química. Cada um tem a sua, com o que mais se identifica.

 

Além do livro, o “Esquizopó”, como você pretende compartilhar suas experiências com as drogas e com a recuperação?
O livro foi uma forma que encontrei de contar a minha história para que ela sirva positivamente para quem está em busca da sobriedade e manutenção. Parte da obra funciona como um manual de como não proceder na vida. Outro tanto mostra como é possível se libertar de substâncias psicoativas. Também tenho o trabalho nas redes sociais com publicação diária de conteúdo sobre dependência química e a atividade de terapia on-line com protocolos personalizados para dependentes químicos. Tudo isso me ajuda na manutenção da minha sobriedade, a energia de ajudar outras pessoas a partir da minha vivência.

 

Que papel têm a coragem e a verdade no processo de recuperação? Dê um exemplo de como está lidando com isto.
Um dos princípios básicos da recuperação é a honestidade, principalmente ser honesto comigo mesmo, com meus limites e dificuldades. Se não posso consumir álcool, porque isso é um gatilho forte que certamente vai me levar a uma recaída de uso de drogas, por que ir a um bar? Não vou porque entendo minhas carências. A mentira e a manipulação, outrora bastante usadas para conseguir drogas, não devem fazer parte dessa nova maneira de viver. Não posso viver sóbrio e continuar mentindo, manipulando. Seria uma recaída seca. Um drogado seco. Seria assombroso e entraria em um processo de recaída iminente, questão de tempo para voltar a usar. Sobriedade é também abstinência de comportamentos nocivos.

“Esquizopó”, livro de Eduardo Xavier sobre sua vivência com a Cocaína Foto: Divulgação

Com um livro desses, você está se expondo, é uma confissão em público. Isso não te coloca na mira do preconceito?
É uma confissão pública de falhas de caráter e insanidades cometidas durante o uso de drogas passível de julgamentos. Tenho plena consciência disso. Mas o que me motivou escrever é ter a consciência que o livro tem potencial para ajudar pessoas que lutam contra essa doença e isso se mostra muito maior que minha vontade, em certos momentos, de recuar. É um ativismo contra o preconceito relacionado a transtornos mentais como a dependência química muito motivado pela falta de informação. Eu posso fazer a diferença na vida de algumas pessoas e é isso que estou fazendo hoje. Se bem que as pessoas que alcanço me ajudam muito mais do que auxilio elas porque me ensinam e me motivam a ficar sóbrio. Suas histórias servem pra mim, eu me vejo nelas.

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