Elizandra Mazieli Gyre Pereira é a primeira indígena a concluir Odontologia na UEM

Indígena se forma em Odontoligia na UEM

Elizandra Mazieli Gyre Pereira, agora pronta para cuidar dos dentes de qualquer interessado, principalmente na aldeia Foto: UEM

Elizandra Mazieli Gyre Pereira, indígena nascida na Terra Indígena Rio das Cobras, em Nova Laranjeiras, defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na última segunda-feira, 5, tornando-se a primeira indígena a concluir o Curso de Odontologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Elizandra viveu até os 20 anos na aldeia e se mudou para Maringá quando foi aprovada no vestibular da UEM.

Tendo o Kaingang como língua materna, a acadêmica fala o Português desde os 6 anos, idade em que ingressou na escola indígena, além de dominar as línguas guarani e espanhol.

Para chegar ao final dos cinco anos da graduação, Elizandra enfrentou inúmeros desafios e dificuldades, em situações cotidianas, que muitas vezes podem passar despercebidas pela maioria dos colegas e professores. Entre estes obstáculos estavam as diferenças étnica e cultural, marcadas por distintos processos de organização socioculturais próprios de cada etnia, diretamente vinculados aos seus modos próprios de aprender, ensinar e organizar as coisas do mundo.

O desconhecimento sobre a história, as culturas e os diferentes processos de interação social dos povos indígenas, associado à falta de interesse por outras formas de conhecimento, criaram estereótipos que geram preconceitos, discriminações e racismos em relação aos povos indígenas.

Além de dificuldades financeiras, estudantes indígenas como Elizandra sofrem e resistem cotidianamente frente a essa realidade. Elizandra relata que o maior desafio enfrentado por uma pessoa indígena é a exclusão e a indiferença, que ela considera uma das principais causas de desistência do tão sonhado curso superior.

 

“Orgulho para todos”

O coordenador do curso, professor Luiz Fernando Lolli, compôs a banca na defesa do TCC e comentou: “Hoje [segunda-feira] o curso de Odontologia da UEM se tornou maior, mais robusto”. Lolli destacou a conclusão da graduação por Elizandra como um momento histórico e altamente relevante da Odontologia da UEM.

O coordenador também ressaltou que a vitória não é só da estudante, da sua família e comunidade kaingang, mas da Universidade e da sociedade como um todo. O professor salientou ainda que a acadêmica transitou muito bem por todas as disciplinas do curso, e que, apesar dos desafios iniciais, teve garra e persistência. Disse ainda que ela é, de fato, um orgulho para todos.

Lúcio Yokoyama, preceptor cirurgião-dentista que acompanhou a estudante durante os estágios em Unidades Básicas de Saúde no município de Maringá, relata que “Elizandra foi uma aluna dedicada. Ela nos surpreendeu pelo rápido desenvolvimento técnico. Uma aluna responsável, pontual, prestativa, estando sempre pronta para atender. Ao mesmo tempo, era uma pessoa bem reservada e, por isso, nem sempre era bem compreendida por este temperamento, mas sempre foi muito educada e paciente com todos. Foi uma satisfação acompanhar o seu desenvolvimento. Fiquei muito sensibilizado pelo ideal de ela voltar para sua aldeia e contribuir com seu povo”.

 

UEM é a que mais formou indígenas

A professora Mitsue Fujimaki, orientadora do TCC, reforça que Gyre (nome indígena dela, que pronuncia-se Guiré), é um bom exemplo de que a UEM tem cumprido o seu papel social de formar profissionais para atuar como agentes de transformação da sociedade. “O TCC da Elizandra foi uma ideia que partiu da necessidade que ela encontrou ao se deparar com crianças da sua T.I. com alto índice de cárie e com dificuldades de realizar uma escovação dentária adequada”, disse. “Ela criou um manual para ensinar uma técnica simples de escovação para crianças, nas línguas Kaingang e Guarani, com desenhos temáticos feitos por ela mesma, e que preservam a identidade sociocultural de seu povo”, pontuou a orientadora. Mitsue agradeceu a oportunidade de convívio com Gyre, que ensinou o quanto é necessário buscarmos enxergar e compreender a cultura, o ponto de vista e os sentimentos do outro, para que haja uma interação fraterna e um crescimento mútuo e para que possamos auxiliar, de fato, cada um nas suas necessidades.

Gyré será a 49ª estudante indígena a se graduar na UEM, por meio de uma política de ação afirmativa criada pelo governo do Paraná em 2001 (Lei Estadual 13.134/2001, substituída pela 14.995/2006, que reserva vagas suplementares anuais para membros de comunidades indígenas existentes no Estado).

A UEM conta com dezenas de indígenas espalhados por seus diversos cursos Fotos: UEM

A UEM se destaca entre as sete universidades estaduais por ser a que mais formou indígenas – 49 formados, incluindo Elizandra, e a que mais têm estudantes indígenas matriculados, sendo 65 no ano letivo de 2023.

 

Trabalho da CUIA

O número de formados e o quantitativo de estudantes matriculados na UEM, que vem aumentando a cada ano, deve-se, segundo a assessora de Articulação de Políticas de Inclusão, professora Isabel Cristina Rodrigues, ao trabalho desenvolvido pela Comissão Universidade para Indígenas (CUIA-UEM), que resultou na proposição e aprovação de uma legislação própria, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CEP (resoluções 205/2006 e 115/2007-CEP/UEM), como parte da política interna de acompanhamento e permanência.

A coordenadora da CUIA-UEM, professora Maria Christine Berdusco Menezes, do Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP), atesta o compromisso, responsabilidade, dedicação e organização de Elizandra no curso de graduação e com a CUIA. “Elizandra, durante os cinco anos que esteve conosco na universidade, sempre foi muito organizada, esteve sempre na sala da Comissão para os estudos referentes ao curso, tanto participando das sessões de monitoria da CUIA, quanto, sozinha, utilizando a sala da Comissão, espaço destinado para que os e as estudantes indígenas possam estudar e permanecer em seus horários de intervalos de aulas e atividades”.

Conforme Menezes, “em suas dificuldades financeiras e até mesmo de alimentação, Elizandra sempre procurou a CUIA, que buscou formas de assistí-la. Por meio de todo trabalho desenvolvido pela Comissão, professores e coordenadores de curso, hoje a UEM completa 49 indígenas formados em diferentes cursos de graduação”.

Após a colação de grau, que acontecerá no dia 1 de março, Elizandra retornará para a T.I. Rio das Cobras, pois o povo dela a aguarda para atuar como a primeira cirurgiã-dentista indígena de sua terra indígena a se formar, o que certamente irá inspirar outros a trilharem o mesmo caminho do estudo, da dedicação, da resistência e da superação.

Na avaliação dos dirigentes da CUIA, este retorno permitirá a Elizandra demonstrar o quanto valeu todo o esforço e dedicação empreendidos por ela e por seus familiares durante os cinco anos da graduação; Ela vai poder auxiliar no desenvolvimento de sua comunidade por meio da educação e dos cuidados em saúde, modificando hábitos para uma vida mais saudável, digna e feliz.

 

 

 

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