Presos se aprofundam no dilema de Raskólnikov para refletir sobre suas escolhas

Com 160 anos, "Crime e Castigo", de Dostoiévski continua sendo uma das obras mais lidas do mundo

O Projeto Especial de Leitura que o Departamento de Polícia Penal (Deppen) e o Centro de Educação para Jovens e Adultos (Ceebja) Tomires Moreira de Carvalho iniciaram nas três unidades penitenciárias de Maringá, propondo a leitura e análise aprofundada do clássico “Crime e Castigo”, do russo Fiódor Dostoiévski, foi encerrado nesta semana com apenados participantes fazendo apresentações sobre o entendimento que tiveram da obra. Assim, monólogos, poesias, encenações, pinturas e resumos foram apresentados a um público formado por diretores e servidores da Penitenciária Estadual de Maringá (PEM), Casa de Custódia (CCM) e Penitenciária Industrial de Maringá – Unidade de Progressão (PIM-UP), outras PPLS (pessoas privadas de liberdade) e convidados especiais para o evento.

O projeto, que será permanente e replicado em todas as penitenciárias do Paraná em um trabalho do Deppen com a Secretaria Estadual de Educação (Seed), foi lançado em Maringá em fevereiro por seu idealizador e hoje diretor geral do Deppen do Paraná, Osvaldo Messias Machado. A proposta incluía a leitura do clássico de Dostoiévski, rodas de conversa, escrita e reescrita de resenha e apresentação final, para a qual o leitor poderia dar vazão à criatividade, escolhendo meios para se expressar.

Com quase 160 anos, “Crime e Castigo”, como as demais obras de Dostoiévski, permite diferentes interpretações e inspiraram pensamentos filosóficos, sociológicos e psicológicos, levando o leitor a uma reflexão que pode mudar sua concepção de mundo e do papel do ser humano.

“O erro cometido por Rodion [personagem do livro que vive um dilema por ter cometido um crime] é uma questão de escolha e pode ser cometido por qualquer um, a pessoa tem livre arbítrio para escolher seus caminhos e muitas vezes escolhe o caminho errado e tem que pagar por isso”, disse um apenado que participou do projeto. Segundo ele, a criação de Dostoiévski tem tudo a ver com pessoas que estão nas penitenciárias pagando por escolhas erradas na vida.

Outro leitor fez sua apresentação por meio de um monólogo em primeira pessoa, onde trechos do dilema de Rodion Românovitch Raskólnikov tinham muito a ver com sua história pessoal.

 

Um projeto maringaense

O Projeto de Leitura Especial tem relação com o Projeto Remição de pena pela Leitura, que a Secretaria de Segurança Pública do Paraná, por meio do Deppen, e a Secretaria de Educação, por meio da Educação de Jovens e Adultos, realizam em todas as unidades prisionais do Paraná. Assim, o tempo empregado na leitura e resenha significa dias a serem abatidos na pena do preso/leitor. A pena é reduzida em quatro dias a cada livro concluído.

“Esse projeto foi idealizado em 2021 no sistema prisional de Maringá”, disse a diretora Vilma Biadola, do Ceebja. Segundo ela, o então diretor da CPIM de Maringá, Osvaldo Messias Machado, recebeu do Ministério da Justiça 40 exemplares de “Crime e Castigo” e, junto com o policial penal Júlio Cesar Vicente Franco, na época vice-diretor, elaborou o projeto, que incluía leitura (e releitura em alguns casos), elaboração de análises, escrita e reescrita e apresentação final.

Alguns participantes do projeto de leitura preferiram se expressar por meio da pintura Foto: Divulgação

Mas, com a chegada da pandemia do coronavírus, o projeto não pode ser executado na época. Como no ano passado Machado assumiu a direção geral do Deppen do Paraná, a ideia foi levada para todas as penitenciárias, que também receberam exemplares de “Crime e Castigo”.

 

Um projeto para ressocialização

Para o diretor do Complexo Penitenciário de Maringá, Julio César Franco, a leitura tem sido empregada como instrumento bastante eficaz no processo de ressocialização e em um projeto como esse nota-se o desejo de apenados em participar não somente em busca na remição de pena, mas também pelo interesse no crescimento pessoal, na busca pelo conhecimento e da reflexão que uma leitura profunda permite.

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Para Júlio Franco, “Crime e Castigo” é literatura da melhor qualidade, mas no caso de pessoas privadas de liberdade ganha uma nova dimensão e conduz a pessoa a uma reflexão que certamente não faria sozinho. O diretor, que é um dos pais do Projeto de Literatura Especial, está convicto que esse projeto cumpre seus objetivos e vai contribuir para que o sistema prisional de Maringá devolva à sociedade pessoas muito melhores do que antes.

O diretor da Penitenciária Industrial de Maringá – Unidade de Progressão, Vaine Gomes, também elogiou o projeto e destacou sua importância no trabalho de ressocialização de pessoas que cumprem pena na penitenciária. Segundo ele, a leitura de temas tão profundos vem a somar com outros instrumentos que estão sendo empregados na ressocialização, como o estudo, o trabalho e a remição.

 

Leitores especiais

A solenidade de encerramento da primeira turma do Projeto Especial, realizada na PIM-UP, contou com a presença de pessoas cujo trabalho está relacionado ao atendimento a presos e também à leitura. É o caso, por exemplo, da missionária Ruth Schneider Tesche, que desde a construção da Penitenciária Estadual de Maringá, há 30 anos, leva conforto espiritual e mental a quem está preso. Ela é uma amiga de todos os detentos e sua visita é aguardada com ansiedade por muitos.

Também presente o jornalista Victor Simião, secretário de Cultura de Maringá, escritor e fundador do Clube de Leitura Bons Casmurros, que em 10 anos tornou-se referência no Brasil entre os clubes de leitura. Para Simião, “Crime e Castigo” é um dos melhores livros e acrescenta muito para qualquer pessoa, em especial para quem está vivendo um dilema parecido com o do personagem Rodion Raskólnikov.

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