Mesmo nestes períodos em que os estudantes brasileiros estão em férias, entre 600 e 700 presos da Penitenciária Estadual de Maringá (PEM), Casa de Custódia e Penitenciária Industrial de Maringá – Unidade de Progressão passam boa parte do dia lendo, escrevendo, corrigindo e reescrevendo. Motivos eles têm de sobra para tanto afinco: ocupam a mente e assim não pensam em besteira e ainda têm a sensação de que o tempo na prisão passa mais rápido; aprendem a conhecer autores, gêneros e estilos literários, passam a falar com mais conteúdo e correção, escrevem melhor, se preparam melhor para quando deixarem a prisão. Embora com o tempo passem a amar os livros, autores e gêneros literários, todos começaram a leitura pelo mesmo motivo: a busca pela remição da pena. A cada página virada, eles sabem que estão reduzindo o tempo na prisão.
Por meio da lei estadual 17.329 de 2012, o Paraná foi o primeiro Estado brasileiro a regulamentar um programa de remição pela leitura e nestes 10 anos mais de 35 mil pessoas privadas de liberdade (PPL) participaram da iniciativa, realizando leitura de obras literárias e produção de textos. Em contrapartida, elas têm redução da pena.
É o caso de Josimar, de 31 anos, de Jandaia do Sul, que começou a cumprir pena na Penitenciária Estadual de Maringá há 16 anos, viveu período difícil, muitas vezes se desesperou, mas no ano passado visualizou uma oportunidade de mudar o rumo de sua vida. Se candidatou a transferência para a Panitenciária Industrial e, por ter bom comportamento e já ter cumprido dois terços da pena, mudou de prisão e imediatamente encontrou muita ocupação. Começou a trabalhar, a estudar e ainda a participar do Programa de Remição pela Leitura.
“Com a remição de pena, poderei voltar para a rua em mais dois anos, com a vantagem de que sairei uma pessoa mais preparada para ser reintegrada à sociedade, com mais cultura e mente ativa”, diz ele, animado por outras mudanças que estão acontecendo. Como se batizou em uma denominação evangélica, sua leitura preferida é de livros voltados à espiritualidade, embora esteja lendo de tudo um pouco.
Método adotado em todo o Brasil
Para o diretor-geral da Polícia Penal, Osvaldo Messias Machado, que já foi diretor do complexo penitenciário de Maringá e um dos idealizadores do Projeto Remição pela Leitura no Paraná, um dos pilares do tratamento penal no Paraná é valorizar e ampliar a leitura. “Ela aproxima as pessoas da cultura e do conhecimento. Além disso, no caso das PPLs, o programa ajuda a direcionar a volta aos estudos para que essas pessoas possam ter novas oportunidades no mercado de trabalho quando retornarem à sociedade”, afirmou. Ele lembrou que essa modalidade é recomendada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Departamento Penitenciário Nacional.
Machado acredita que entre os benefícios e resultados obtidos por este Programa de Leitura, dentro do contexto prisional, destacam-se a evolução e melhora na interpretação e escrita dos textos, melhora a comunicação e expressão, combate os efeitos negativos da prisão.
Hoje, o índice de presos que retornam à prisão após alguns meses depois de ganharem a liberdade é de 70%, mas no modelo de ressocialização que inclui trabalho e leitura, como o que é oferecido na Penitenciária Industrial de Maringá – Unidade de Progressão, a reincidência cai para 6%, de acordo com estudo do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen)
Embora o programa seja idealizado pelo Departamento de Polícia Penal, o Deppen, ele tem como principal parceiro a Secretaria de Educação, que disponibiliza os professores de Português e pedagogos dos Centros Estaduais de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJAs), que dirigem as atividades e tiram as dúvidas apresentadas pelos leitores.
A paixão vem com a leitura
A pedagoga Ivanir Jolio, que coordena o programa na Penitenciária Industrial de Maringá – Unidade de Progressão, diz que as mudanças nos participantes do Remição pela Leitura são visíveis. “Quando eles [os presos] entram no programa, eles confessam que não gostam de ler livros e alguns nunca leram mesmo. A gente pergunta porquê, então, decidiram participar, se não gostam de leitura, e eles são sinceros ao responder que estão aqui pela remição, pela redução da pena. Em pouco tempo, já estão gostando de ler e aí começam as mudanças: passam a falar sem erros, a conversa tem mais conteúdo, escrevem melhor. É a transformação do cidadão pela leitura, é muito nítico. Em pouco tem eles já falam de seus autores preferidos, o gênero e o estilo literário que mais os agradam”.
A professora diz que no Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, os alunos que partiam do projeto produzem bons textos, tiram boas notas e têm grandes chances de ganharem bolsas de estudos.
Uma obra por mês
Segundo Ivanir Jolio, o regulamento do Projeto Remição pela Leitura define que o interno deve ler uma obra e elaborar um relatório de leitura, uma resenha, na presença do professor de Língua Portuguesa.
“O professor estará ali para orientar, tirar dúvidas e corrigir, junto com o preso, o texto elaborado. Depois disso, o aluno reescreve sua resenha, que será novamente corrigida. É nesse texto que ele vai demonstrar se entendeu o livro que leu, pois o texto precisará demonstrar o entendimento, ter consistência e criticidade. Quanto mais livros são lidos, mais o preso melhora a qualidade de seu texto e o entendimento da obra”.
Concluídas as etapas de leitura, escrita e reescrita final de um resumo, o texto é avaliado, recebendo nota entre 0 e 10, de acordo com sua qualidade. É obrigatório atingir nota igual ou superior a 6.
Como o programa criado pela Polícia Penal e que virou lei ao ser aprovado na Assembleia Legislativa prevê a leitura de um livro por mês, ao cabo de um ano o preso terá lido 12 obras e escreveu e reescreveu 12 textos.
O Programa Remição pela Leitura tem sido destaque no cenário nacional recebeu o Selo ODM – Movimento Nós Podemos Paraná FIEP, e o Prêmio Boas Práticas do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em Brasília, além de receber visitas de vários outros estados e países, em busca do modelo implantado e consolidado com sucesso no Paraná
Atualidade também conta
Em dezembro e janeiro os presos da Penitenciária Industrial de Maringá – Unidade de Progressão estão lendo e analisando textos jornalísticos, geralmente reportagens de grande profundidade sobre assuntos bem atuais, como faminicídio, racismo, questões ambientais e temas de fundo social.
“São assuntos que estão na internet e nós copiamos para que os nossos leitores possam ser atualizados sobre temas que são discutidos fora dos muros da penitenciária”, diz a pedagoga Ivanir Jolie, uma apaixonada pelo programa.