Sem espaço no mercado formal, trabalhadores mais velhos encontram alternativa na uberização

Tese aponta que SEM ESPAÇO NO MERCADO FORMAL, TRABALHADORES MAIS VELHOS ENCONTRAM NA 'UBERIZAÇÃO' UMA ALTERNATIVA DE RENDA E OCUPAÇÃO

A uberização é uma das poucas alternativas de renda para motoristas mais idosos Foto: Rovena Rosa/ABR

Em um cenário de crescente envelhecimento populacional e expansão da economia de aplicativos, uma pesquisa de doutorado da Universidade Estadual de Maringá (UEM) revela as contradições vividas por trabalhadores com mais de 50 anos que atuam como motoristas de aplicativos no Brasil e no Chile. A tese, de autoria de Lourival Ribeiro Chaves Júnior e orientação do Prof. Dr. Marcio Cassandre, lança luz sobre um fenômeno social complexo: a migração de profissionais experientes para o trabalho precarizado como única saída para a exclusão do mercado formal.

 

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O envelhecimento populacional já é uma tendência global. A ONU aponta que, até 2050, teremos cerca de 1,6 bilhão de pessoas com 65 anos ou mais. Isso influencia o crescimento de pessoas mais velhas que buscam trabalho. No entanto, a idade das pessoas tem se mostrado um desafio para os trabalhadores continuarem ativos no mercado de trabalho. Um termo usado para isso é o etarismo, que é uma forma de discriminação de idade.

 

 

Entre a necessidade e o desejo de se manter ativo

 

Como as pessoas mais velhas enfrentam dificuldades de encontrar trabalho formal, muitas migram para os trabalhos em aplicativos, como delivery e transporte de pessoas. Foi o que descobriram Lourival Chaves Júnior e Marcio Cassandre em uma pesquisa de doutorado realizada com pessoas maiores de 50 anos no Brasil e Chile.

 

A pesquisa, financiada pela CAPES, identificou duas principais motivações que levam esse grupo para a chamada “gigeconomy“. A primeira é a necessidade financeira, impulsionada pelo desemprego, pela renda insuficiente para a sobrevivência ou pelos baixos salários oferecidos em empregos formais. Nas entrevistas com motoristas de ambos os países, alguns deles revelaram que trabalhar nos aplicativos foi a única solução devido à dificuldade de encontrar trabalhos formais.

 

A segunda motivação é o desejo de se manterem ativos e socialmente conectados, combatendo o ócio e a solidão que muitas vezes acompanham a aposentadoria ou a exclusão do ambiente de trabalho tradicional.

 

 

Os dois lados da moeda: autonomia versus precariedade

 

Alguns dos motoristas dependem exclusivamente dos aplicativos para sobreviver, enquanto outros combinam a renda do aplicativo com sua aposentadoria. Outros desafios encontrados residem no cansaço, uma vez que precisam passar horas dirigindo para alcançar uma renda que muitas vezes não é suficiente para arcar com custos de manutenção do veículo.

 

Os motoristas também revelaram que é um trabalho arriscado e que passam por situações de roubo e agressão verbal. Para isso, alguns optam por não trabalhar à noite e não aceitar corridas para lugares conhecidos como perigosos.

 

Outro ponto de destaque é a necessidade de adaptação às tecnologias digitais, um desafio adicional para uma geração que nem sempre possui familiaridade com as ferramentas. A pesquisa também aponta um dado surpreendente: ao contrário do mercado tradicional, onde a experiência tende a valorizar o profissional, na economia de aplicativos, motoristas mais jovens chegam a ganhar mais que os mais velhos.

 

 

Um chamado à reflexão e à ação

 

Apesar dos riscos enfrentados, muitos motoristas continuam nesse trabalho por não existir alternativas de trabalho. Uma parte desses motoristas relatou que continua buscando trabalhos formais, mas não é contratada.

 

O estudo conclui que o trabalho em plataformas se tornou tanto uma alternativa quanto uma oportunidade para a permanência de pessoas mais velhas no mercado de trabalho. No entanto, evidencia a urgência de políticas públicas que estimulem a contratação de trabalhadores experientes por parte das empresas e que responsabilizem as empresas de aplicativos pelas condições de trabalho oferecidas.

 

Estatísticas iniciais sobre o assunto apontam um crescimento de pessoas mais velhas se inserindo em trabalhos precários, como os de aplicativos, em que, em alguns países, como o Brasil, não há proteção trabalhista.

Lourival aproveitou em sua pesquisa dados do Brasil e do Chile Foto: Redes sociais

 

Com esse número crescente, são necessárias intervenções governamentais para estimular que empresas contratem pessoas mais velhas e que as empresas-aplicativos se tornem mais responsáveis pelos trabalhadores em suas plataformas.

 

“Com o aumento da longevidade, é fundamental que a sociedade e as organizações repensem o papel do trabalhador mais velho. Não podemos simplesmente empurrá-los para a precarização como única alternativa”, afirma Lourival Chaves-Júnior.

 

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