A inserção cada vez maior de indígenas no ensino superior é um compromisso permanente da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que – com duas décadas de existência da política de ação afirmativa no Paraná (Lei 13.134/01, ampliada pela Lei 14.995/06) – já graduou 43 deles, em diversas graduações, capacitando-os para o mercado de trabalho ou mesmo para a atuação profissional em suas comunidades de origem.
Nesta quarta-feira (19), quando se celebra o Dia do Índio, docentes ligadas à Comissão Universidade para os Índios (Cuia/UEM) estão viajando por algumas terras indígenas na região central do Estado. O objetivo é inscrever candidatos para a 21ª edição do Vestibular dos Povos Indígenas no Paraná, cujas inscrições, abertas, encerram-se no dia 30 deste mês.
Ontem (18), as representantes da Cuia da UEM visitaram as comunidades Ivaí, em Manoel Ribas, e Faxinal, em Cândido de Abreu. E hoje estarão em contato com os indígenas das comunidades de Koe Ju Porã e de Marrecas, ambas no município de Turvo.
Além deste trabalho para garantir o ingresso dos povos indígenas na UEM, a universidade tem se empenhado para a permanência destas comunidades na instituição. Para isso, oferece apoio institucional com oferta de: bolsa-auxílio, oriunda da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) do Paraná; monitorias específicas (Programa de Inclusão e Permanência de Alunos Indígenas/Proindi); e o suporte de setores como a Pró-Reitoria de Ensino (PEN). Conta, ainda, com apoio dos conselhos acadêmicos de cursos, da Associação Indigenista de Maringá (Assindi) e o acompanhamento da própria Cuia.
Esse acompanhamento, que existe desde o ingresso dos primeiros estudantes indígenas na UEM, em 2002, tornou-se institucionalizado e mais efetivo após a publicação das resoluções 205/06 e 115/07 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEP). A primeira instituiu o Plano Individual de Acompanhamento do Estudante Indígena (Piaei), por meio do qual a comissão tem a possibilidade de fazer um acompanhamento mais específico destes estudantes, promovendo a flexibilização curricular e a realização de diversas atividades pedagógicas para garantir a permanência deles na universidade e a integralização dos cursos. Já a normativa de 2007 aprovou o Proindi.
Resultados
Com essas ações e um trabalho intenso da Cuia, a UEM conseguiu reduzir o índice de evasão de alunos indígenas ao longo dos anos. Conforme assinala a professora Maria Christine Berdusco Menezes, coordenadora da comissão, os acompanhamentos a esses estudantes são constantes, incluindo viagens às aldeias. Ela menciona, ainda, a existência de uma sala exclusiva a eles na Biblioteca Central (BCE) da universidade.
Dessa maneira, a UEM é a instituição de ensino superior do Paraná que mais formou indígenas e a que mais possui alunos destes povos originários matriculados no sistema estadual de ensino superior. Também foi a única universidade a realizar, no vestibular passado, uma segunda chamada para a ocupação de vagas ociosas. Atualmente, a instituição tem 54 indígenas estudando nos cursos de graduação presencial e a distância – no presencial: em Arquitetura e Urbanismo, Biomedicina, Direito, Educação Física, Enfermagem, História, Medicina, Odontologia, Pedagogia, Psicologia e Serviço Social; na modalidade a distância: Ciências Biológicas, História, Letras e Pedagogia.
Os universitários indígenas da Universidade Estadual de Maringá (UEM), de todas as universidades estaduais paranaenses e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), recebem apoio permanente da Comissão Universidade para os Índios (Cuia) da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), desde antes do processo seletivo, realizado anualmente, até a formatura.
A Cuia cuida do processo de ingresso e inclusão deles, além de fazer o acompanhamento didático-pedagógico. Compete também à comissão: elaborar e desenvolver projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão envolvendo os estudantes e suas comunidades; sensibilizar e envolver a comunidade acadêmica acerca da questão indígena; buscar diálogo, interação social e parcerias interinstitucionais.
Além da professora Maria Christine Berdusco Menezes, coordenadora, a comissão congrega, como membros da UEM, as professoras Rosângela Célia Faustino, do Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP), e Lilian Denise Mai, do Departamento de Enfermagem (DEN).
Além da Cuia, a universidade conta com o Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história (LAEE), o Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Escolar e Superior Indígena no Paraná, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais, Formação de Professores, Ação Docente e Educação Escolar Indígena e com a Associação dos Universitários Indígenas (Auind). Desenvolvem projetos voltados à educação escolar e superior junto às comunidades indígenas no Paraná, tais como o Indígenas na Web, elaborado por professores do curso de Letras e coordenado pela professora Isabel Cristina Rodrigues, também da Cuia da UEM.
Vestibular específico
As inscrições para o 21° Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná ficam abertas até 30 de abril. As provas estão previstas para 12 e 13 de junho. O processo seletivo é organizado pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar), em parceria com as demais instituições de ensino superior estaduais, a UFPR e a Cuia.
Podem concorrer às vagas das universidades estaduais paranaenses qualquer estudante autodeclarado e reconhecido como indígena, pela liderança de sua comunidade (ou representante da Fundação Nacional do Índio/Funai, no caso da UFPR), que more no Paraná e não possua formação superior.
A inscrição é feita pela Internet ou por meio da entrega dos documentos de forma imprensa, pelos Correios. Optando em enviar pelos Correios, o candidato deverá imprimir a ficha de inscrição e enviá-la, junto dos demais documentos pedidos, para qualquer um dos câmpus das instituições que participam do processo seletivo. Para outras informações sobre o concurso, junto do edital de abertura, acesse a página da Unespar. O resultado final está previsto para ser publicado em 7 de julho.
Cotas na pós-graduação
Além da formação de graduados, a UEM também formou o primeiro mestre indígena no Paraná: Florêncio Rekayg Fernandes, da etnia Kaingang. Após ele, formou dois pesquisadores da etnia Guarani: Isael Pinheiro e Jefferson Domingues. Os três mestres formados pela UEM, sob a orientação de Faustino, atualmente estão concluindo seus doutorados, sendo um na UEM e dois em universidades federais. A iniciativa dessa formação foi do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE).
Com a intenção de que outros formados interessados em seguir na carreira acadêmica continuem na UEM, para se tornarem pesquisadores e futuros professores, alguns programas de pós-graduação contam com sistemas de cotas como política de permanência. Os exemplos, além da Educação, são: Administração, Ciências Sociais, História, mestrado profissional em Ensino de História, e Psicologia.
Autonomia e formação dos indígenas
A Auind foi fundada em 26 de abril de 2018 para fortalecer a autonomia, acompanhar e debater propostas em prol de melhoria do ingresso, permanência e formação dos indígenas da UEM. Com apoio da Cuia, tem oferecido suporte desde o ingresso dos estudantes indígenas na graduação até a formatura. “Sempre recebemos incentivo à autonomia das nossas questões dentro da instituição”, menciona a representante da Auind, Alciléia Miriã Claro, acadêmica de Enfermagem da UEM.
Apesar de todo o apoio da Cuia, de professores e colegas, Alciléia acredita que universitários indígenas sofram dificuldades em todo o Brasil. “O preconceito é muito dolorido de sentir, ainda mais em um ambiente que temos de estar todos os dias”. Acrescenta que já ouviu que eles “tomam vagas” de outros, sendo que na realidade os indígenas ingressam mediante vagas suplementares e tem “o mesmo direito de todos de estar ocupando esse espaço”. Para a indígena, outro obstáculo é a distância da família, que geralmente permanece nas aldeias. “Muitos indígenas deixam seus filhos e cônjuges na busca do estudo para a melhoria de sua comunidade. Morar numa cidade que muitas vezes nunca tínhamos visitado, estando sozinhos, acaba gerando tristeza e ansiedade, não contribuindo no processo pedagógico”, desabafa.
Alciléia acrescenta que “o choque cultural, as dificuldades financeiras e os desafios para concluir os estudos” são fatores que aumentam a evasão, algo que tem sido contornado pela Cuia. Apesar disso, a acadêmica mantém a expectativa de “ter o tão sonhado diploma” e retornar para a sua terra indígena para proporcionar “o melhor para nossas comunidades por meio da profissão que escolhemos”.
Mês de reflexão
Alciléia acredita que o mês de abril serve para conscientização e lembranças de lutas e resistências dos seus antepassados e das lutas atuais das lideranças indígenas em busca sempre de melhoria para as suas comunidades. “Neste mês, que para muitos comemora-se apenas o Dia do Índio, para nós, não. Não queremos parabéns nesta data, queremos reconhecimento e respeito e que nossas lutas sejam vistas como legítimas”, conclui.
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