Um mês sem Manuel Martinez Soria, o Manolo, que viu Marialva nascer e crescer

O corretor de casas e carros sofreu uma parada cardiorrespiratória enquanto assistia TV

Manuel Martinez Socia Manolo de marialva

Manolo fez história como vendedor de casas, fazendas e carros usados Foto: Arquivo da família

Há um mês Marialva perdia o pioneiro Manuel Martinez Soria, o Manolo, que chegou com 2 anos de idade quando a cidade também estava nascendo, cresceu com os meninos das famílias desbravadoras, viu os cafezais fazendo a riqueza da região, matas dando lugar a bairros, ruas surgindo de um dia para outro, barrentes e poeirentas, casas de madeira, famílias que chegavam e logo sumiam, mas também os amigos que ficaram para sempre.

Manolo morreu na noite de 30 de janeiro com aquele jeitão tranquilo que marcou sua vida. Sentou-se na sua poltrona preferida, no ponto preferido da sala de sua casa próxima à matriz Nossa Senhora de Fátima, no centro de sua cidade querida, fechou os olhos e não acordou mais. Tinha 69 anos, sendo que 67 foram vividos em Marialva.

O pioneiro sofreu uma parada cardiorespiratória enquanto assistia televisão. A mulher, Marilsa, tinha saído para dar uma volta no quarteirão com os netos e ao retornar, apenas alguns minutos após ter saído, encontrou o marido sentado e demorou para perceber que ele estava morto.

 

Crescendo e vendo a cidade crescer

Para os marialvenses, Manolo será sempre lembrado pelo bom humor e pela intensidade que viveu, sempre participando de tudo. Quando chegou a Marialva a cidade tinha apenas três anos e era uma pequena comunidade cercada por cafezais por todos os lados. O garoto tinha dois anos de idade e foi por causa dos cafezais que a família veio para o norte do Paraná. O casal Dionisio Juliano Martinez Nieto e Maria Rosa Soria Sanches deixou a Espanha, que vivia sob a ditadura de Francisco Franco, além das dificuldades do período pós 2ª Guerra que afetavam toda a Europa. Chegando no Brasil foi trabalhar em fazendas de café.

A pescaria foi um dos prazeres de Manolo desde a infância, quando os rios eram límpidos e tinham peixes em abundância     Foto: Arquivo da família

 

Inicialmente a família morou na propriedade da família Garcia, que ajudou a desbravar a terra onde hoje é Marialva. A terra dos Garcia hoje está área urbana. Depois, Dionisio comprou seu próprio sítio, que foi da família por 50 anos.

Manolo gostava de contar histórias dos velhos tempos, pois foi testemunha ocular – quando não personagem – de praticamente tudo o que aconteceu ao longo da história da cidade. Conhecia todos os pioneiros, sabia onde moravam, quem era parente de quem, assim por diante.

Gostava de contar que cresceu com a cidade, junto com outros meninos da época, limpando terrenos baldios para fazer campinhos para jogar bola, esburacando as ruas de terra batida para preparar as barrocas para o jogo de burquinha, atrapalhando o trânsito de jipes, carroças, bicicletas e cavalos para jogar bets, aproveitando horas de recreio para correr nas brincadeiras de salva, 31, pega-pega, peteca, abrindo quiçaça no peito com o estilingue armado. De vez em quando topavam com um córrego, tiravam o calção para não molhar e nadavam até dar a hora de ir ver se alguma pomba do ar caiu na arapuca armada no meio dos pés de café.

Nasce o vendedor

Era normal para os meninos da época começar a trabalhar cedo. Alguns na lavoura, outros iam engraxar sapatos e alguns davam de mão a uma cesta de bambu para vender pastel e coxinha nas esquinas e saídas de aula. Manolo começou a vender e não parou mais.

No ano que a família Martinez Soria chegou a Marialva, o café era a força da economia local; na foto, uma das muitas máquinas de beneficiamento de café Foto: Arquivo

 

Quando achou que não devia mais trabalhar no sítio com os pais e a irmã Antonia, foi para a cidade vender madeira. Ganhou dinheiro, começou a namorar, se encantou por uma menina de Jandaia do Sul, Marilsa, da família Cabreira, e uns quatro anos depois se casou com ela para toda a vida.

A venda de madeira ia bem, mas surgiu uma oportunidade e Manolo se tornou dono de oficina. Com o tempo, juntou seu jeito para os carros com o talento para vendas e começou a vender e comprar carros, tornando-se um dos corretores mais respeitados da cidade. Mas, quem vende, vende. Quem vende coxinhas e gibi na porta da matinê, pode vender madeiras e carros, então pode vender também casas. E assim, lá foi o espanhol ampliando seu leque de vendas.

Em 1985, Manolo precisou de uma praça maior e assim instalou na Avenida Paraná, em Maringá, a Manolo Automóveis, que também poderia se chamar Manolo Casas, Terrenos, Sítios, Fazendas, pois o dono vendia de tudo e as pessoas o procuravam devido à fama de bom negociante e de negociante honesto,

Por 30 anos, todas as manhãs Manolo pegava a BR-376 para Maringá e à tarde voltava para Marialva, porque tanto ele quanto Marilsa nunca quiseram deixar a cidade, que consideravam ideal para criar os três filhos, Emanuel, Cristiano e Krivia.

Onde tem jogo, lá está Manolo

Mas, nem só pelas compras e vendas Manuel Martinez Soria fez nome. Desde criança ele se metia em tudo quanto era jogo e foi muito bem em alguns. No futebol, iniciado nos campinhos onde tivesse um terreno baldio, ele esteve em vários times amadores e participou de partidas históricas. Se destacou também no futebol de salão, mas também jogava truco, cacheta, 21, rouba-monte, bozó, dominó e por aí vai.

Na década de 1960, Manolo era da turma dos cabeludos da jovem guarda, uma cópia tupiniquim do rock and roll. Nos anos 70 veio Raul Seixas e aí ele se sentiu representado. Foi por essa época que se apaixonou pelas motocicletas, blusa de couro preta cheia de tarrachas, tudo embalado por rock de Raul e das bandas americanas e britânicas. Depois ficou careta e careta continuou até o fim.

Nessa vida agitada, o pioneiro e Marilsa criaram e formaram três filhos, Emanuel Ricardo, que é biólogo, Krivia Emanuela, enfermeira e mãe dos dois netos do casal, e Cristiano, professor de Letras e jornalista, editor de dois jornais.

Ao se aproximar dos 70 anos, Manolo pensava em desacelerar um pouco para levar uma vida mais tranquila ao lado de Marilsa, para curtir os netos, mas sem deixar totalmente as vendas de casas, sítios, carros…, atividade que deixou de ser meio de vida para ser um passatempo.

Foi assim que na noite de 30 de janeiro sentou-se em sua poltrona preferida para esperar a mulher retornar da voltinha com os netos Isaac, de um ano, e Maria Clara, de 13.

Coincidentemente, poucas horas depois morreu também Nelson Marcelino, o Nelson do Paver, que foi candidato a vereador em Marialva e era um dos maiores amigos de Manolo. Os dois foram velados na mesma capela, no mesmo horário.

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