Morre Nitis Jacon, atriz, diretora de teatro, criadora do Festival Internacional de Londrina, referência da cultura do Paraná

Nitis Jacon

Nitis montou grupos, escreveu peças, formou atores, dirigiu e criou grandes eventos artísticos Foto: Saulo Ohara

Morreu na tarde desta terça-feira, em Arapongas, a médica, professora, atriz, diretora de teatro e criadora do Festival Internacional de Londrina (Filo) Nitis Jacon, que foi também vice-reitora da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ela tinha 88 anos.

 

Considerada uma das pessoas mais influentes e importantes na cultura paranaense, Nitis Jacon teve uma trajetória intensa e extensa, sendo considerada uma das principais responsáveis por elevar Londrina e região à condição de pólo cultural.

 

Arte para enfrentar a ditadura

 

Nitis Jacon de Araújo Moreira nasceu em 1935, na cidade de Lençóis Paulista, em São Paulo. Desde menina revelou o gosto pela leitura e por declamar poemas para ela mesma, sem saber que isso era importante para sua formação.

 

Mais tarde mudou-se para Curitiba para fazer o ginásio e lá conheceu e se apaixonou pelo teatro, participou do movimento teatral, montou seu próprio grupo e ganhou os primeiros prêmios.

 

Nos anos de chumbo da história do Brasil, Nitis também sofreu por não concordar com a truculência dos generais. Como ela e seu marido ajudavam pessoas perseguidas pela ditadura, eram considerados de esquerda, e tiveram que ir para o exterior para que Abelardo Araújo não fosse preso, pois era tido como um comunista.

 

Foram para a Inglaterra, onde permaneceram por um ano e seis meses, voltaram em 1974 e Abelardo foi preso. Enquanto isso, Nitis retornou à universidade, dando sequência aos festivais e aos grupos de teatro. Começou a trazer para Londrina grupos de outros países, que também sofriam repressões por conta de movimentos ditatoriais. Foi através da universidade que deu início ao movimento de troca de experiências.

 

Foi nesse momento que o Festival Universitário tornou-se o único Festival Latino-Americano de Teatro.  A peça ‘ZY DRina’, de autoria de Nitis, passou por vários países, foi até o México, ganhou diversos prêmios, depois foi  até à África e alguns lugares da Europa. A partir daí, o Festival tornou-se Festival Internacional de Londrina, o Filo, como é conhecido atualmente.

Nitis Jacon de Araújo Moreira – 1935 – 2023

 

Hasta la vista, Baby

O jornalista e escritor Edilson Pereira dos Santos conheceu e aprendeu a admirar Nitis no período em que morou em Londrina e esta paixão continua até agora. Ao saber da morte da amiga, ele publicou no Facebook a seguinte lembrança:

Nitis Jacon morreu. Se é que Nitis Jacon morre. O seu legado ficou na história. Morei dez anos em Londrina. E uma das coisas que minha memória mais recupera destes anos são as peças que Nitis trouxe através do Festival Internacional de Londrina. Foram dezenas. Em um ano foram 75 peças de dezenas de países. Eu tive uma overdose de teatro quando morei em Londrina. De todos os estilos, gêneros e países.
Nitis trouxe para o Brasil grupos que jamais pisariam no país não fossem pelas suas mãos e que depois de Londrina percorreram outras praças como se não tivessem passado pelo Norte do Paraná. O Jornal Nacional e o Fantástico da Globo davam como novidade a presença destes grupos em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e outras cidades sem citar que vieram pelas mãos de Nitis para o Filo, onde estiveram antes destas cidades.
Não podiam colocar nas mãos daquela mulher e daquela cidade tanta ousadia. De minha parte, que morava a cinquenta metros do Zerão, nunca cansei de ver peças maravilhosas. Era uma sensação que eu tinha quando tomava uísque. Era tão gostoso e tão bom que parecia que nunca ia terminar. Mas o Filo como era terminou. E a Nitis foi embora.
Quem viu, como eu, foi feliz. Cito isto porque se for mencionar a sua contribuição como diretora para a evolução do teatro paranaense vou ter que escrever dez vezes mais. E um dia se é que minha aposta nesta Mega Sena da vida em que nunca acerto estiver certa, nos encontraremos.
Hasta la vista, Baby!
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