Morre Mino Carta, jornalista que transformou a imprensa brasileira

Morre o jornalismo Mino Carta, criador das maiores revistas do Brasil

Mino Carta foi fundador das mais importantes revistas do Brasil e ajudou a mudar os maiores jornais Foto: Arquivo Carta Capital

O jornalismo brasileiro perde nesta terça-feira, um de seus expoentes, o jornalista Mino Carta, fundador de algumas das mais expressivas revistas da história do Brasil, como Veja, IstoÉ e Quatro Rodas, além de Carta Capital, que ele considerou sua melhor criação. Mino tinha 91 anos e lutava contra os problemas de saúde, em idas-e-vindas do hospital. Na última passagem, permaneceu duas semanas na UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

A trajetória de Mino Carta se confunde com a história do jornalismo contemporâneo do Brasil. Aos 27 anos, aceitou o convite de Victor Civita para dirigir uma nova revista da então nascente editora Abril, Quatro Rodas, mesmo sem saber dirigir nem diferenciar um Volkswagen de uma Mercedes, como se orgulhava em dizer.

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Descobriria ali o talento para criar e comandar algumas das publicações mais icônicas e influentes. Lançou as revistas Veja, em 1968, IstoÉ, em 1976 e CartaCapital, em 1994. Esteve à frente da equipe fundadora do Jornal da Tarde, em 1966, reconhecido pela modernidade na paginação e pela qualidade literária das reportagens que inspiraram gerações de jornalistas. Mesmo seu maior fracasso, o breve Jornal da República, de 1979, em parceria com o amigo e mentor Claudio Abramo e inspirado pelos ventos da abertura política, é um marco do jornalismo.

 

Sem tecnologia, com talento e genialidade

Durante toda a vida, a máquina Olivetti foi a sua maior companheira. Mino abominava as novas tecnologias e vaticinava: “Um dia, os computadores vão engolir as pessoas”. Em recente entrevista a Lira Neto, lamentou os efeitos da revolução tecnológica sobre o exercício da profissão: “Em lugar de praticar um jornalismo realmente ativo, na busca corajosa pela verdade, a imprensa está sendo engolida e escravizada pelas novas mídias”.

Também estava desencantado em relação ao futuro do Brasil, graças à “permanência de um pensamento medieval representado pela Casa-Grande”.  De maneira franca, admitiu ter perdido as esperanças. “Não há motivo para alimentá-la. De resto, meus mestres da filosofia, como [Baruch] Spinoza, recomendam: ‘Nem fé, nem medo’. É uma boa máxima. Fé em coisa nenhuma. Medo de nada.”

 

Jornalismo no DNA dos Carta

Nascido em Gênova, Mino Carta faz parte da terceira geração de jornalistas da família, tradição iniciada pelo avô materno Luigi Becherucci, diretor do jornal genovês Caffaro até perder o cargo em meio à perseguição fascista. Seu pai, Giannino, foi preso em abril de 1944 devido à ferrenha oposição ao regime de Benito Mussolini, mas conseguiu fugir dois meses depois, aproveitando-se de uma revolta entre os carcereiros. Logo após o término da Segunda Guerra, aceitou um convite para trabalhar no Brasil. Por intermédio do amigo Francisco Malgeri, conheceu o industrial italiano Francisco Matarazzo Júnior, que acabara de adquirir a maior parte das ações da Folha de S. Paulo e o contratou para dirigir o jornal.

Ao chegar a São Paulo com a família, Giannino descobriu, no entanto, que o emprego não existia mais. Pela legislação nacional, Chiquinho, sucessor do pai no comando das Indústrias Matarazzo, estava proibido de assumir o controle de um veículo de comunicação brasileiro. Decidido a permanecer no Brasil por temer um novo conflito armado na Europa, Carta, também bom desenhista, virou-se com a produção de capas para os livros da editora Instituto Progresso Editorial (IPE), na qual Malgeri tinha participação societária.

A primeira experiência de Mino no jornalismo veio de maneira fortuita, quando mal completara 16 anos de idade. Em 1950, o pai recebeu de dois jornais italianos a encomenda de artigos sobre a Copa do Brasil. Ele aceitou, mas, como odiava futebol, perguntou ao filho se toparia escrever os textos em seu lugar. “Como pagavam bem, eu topei, pensando em mandar fazer um terno azul-marinho em um bom alfaiate, que eu tanto desejava para participar dignamente dos bailes de sábado. A partir daí, percebi que a felicidade não era tão cara e podia ser alcançada escrevendo”, rememorou em 2008, em uma entrevista ao portal da Associação Brasileira de Imprensa.

 

O gênio por trás das revistas

Depois de abandonar o curso de Direito no Largo São Francisco, Mino retornou em 1956, em companhia da família, à Itália, onde passou a trabalhar na Gazetta del Popolo, de Turim. Também atuou como correspondente dos brasileiros Diário de Notícias e Mundo Ilustrado. Pouco depois, seu pai regressaria ao Brasil para assumir a editoria internacional de O Estado de S. Paulo.

Na sequência, seu irmão, Luigi, aceitaria um convite de Victor Civita para trabalhar na Abril e, em pouco tempo, assumiria um cargo de direção na editora. Por insistência de Luiz, Mino aceitou liderar a equipe responsável por tirar do papel, em 1960, a versão brasileira da revista Quattroruote, de estrondoso sucesso na Itália. Sob seu comando, despontaram nomes incontornáveis do jornalismo brasileiro, entre eles José Hamilton Ribeiro e Paulo Patarra, que mais tarde o acompanhariam na fundação de Veja.

Com fartos anúncios da indústria automobilística, em plena ascensão, a Quatro Rodas obteve rápido sucesso. A experiência despertou a atenção de Júlio Mesquita Neto, diretor do Estadão, que convidou Mino a assumir a edição de Esportes, fechada nas noites de domingo, com uma inovadora aparelhagem de telefoto, que permitia a transmissão de textos e fotografias pelo telefone. Com uma linguagem leve, oposta ao estilo sisudo do diário da família Mesquita, o semanário esportivo também inovou na diagramação com fotos grandes e bonitas, e serviu de laboratório para o lançamento do Jornal da Tarde em 1966, igualmente revolucionário.

Depois disso, Mino retornou à Abril com a missão de fundar a Veja, na época uma revista completa, revolucionária e que por décadas foi modelo de jornalismo, caraterísticas que perdeu com o tempo, já sem Mino Carta e a equipe original, o mesmo que aconteceu depois com a IstoÉ.

 

Com textos e fotos do portal da revista Carta Capital

 

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