Brincadeira levada a sério

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“Eu não vou levar meu filho no psicólogo só para brincar” ou “hoje ele não fez mais nada na sessão além de brincar com a psicóloga” são frases que nós, profissionais de psicologia, sempre ouvimos de pessoas que não conhecem nosso ofício quando acreditam que não estamos ouvindo. Seja pela ignorância de não saber o que realizamos na clínica, seja por uma tentativa de menosprezar ou diminuir nossa prática a apenas um “passatempo”, a maioria das pessoas desconhece a importância da brincadeira dentro da análise de crianças e adultos. Me dedicarei, neste espaço, a explicar um pouco mais sobre o brincar, um dos métodos que utilizamos em nosso dia-a-dia. Para tanto, utilizarei como base a teoria de Winnicott (1975) que foi citado no artigo “O brincar e a experiência analítica” (FRANCO, 2003) da revista Ágora. Para o autor, só ocorre sessão de psicoterapia mediante o aparecimento concomitante de duas faces do brincar: a do paciente e a do analista. Nos casos de impossibilidade de brincar, por parte do paciente, é dever do analista auxiliá-lo a alcançar a situação do que brinca, e, caso a impossibilidade seja por parte do analista, este não serve para ser analista. Desse modo, é correto afirmar que a tarefa do analista é interpretar a fantasia da brincadeira, fantasia esta que se oculta dentro do próprio ato de brincar. É válido destacar que o brincar, para Winnicott, não se limita apenas às crianças, estendendo-se também aos adultos. 

A teoria winnicottiana se baseia na ideia de um campo intermediário, transicional, entre a experiência psíquica e subjetiva de cada sujeito e a realidade externa compartilhada socialmente, ou seja, a transicionalidade é o encontro do mundo interno com o socialmente construído. Na infância, ela está relacionada com a capacidade do bebê em perceber e aceitar a realidade externa, o não-eu. Já nos adultos esta área se expressa na cultura como um todo, desde arte até religião, sendo também o campo que abrange a loucura. Seja na criança, seja no adulto, a atividade ilusória não some completamente. Ocorre na brincadeira uma sensação prazerosa de controle, na qual a conexão entre a subjetividade emergente e os objetos externos geram tal satisfação. 

O brincar então facilita a comunicação consigo e com quem está ao redor. É saudável e esperado dentro da sessão de análise, que é considerada a manifestação aprimorada e contemporânea da brincadeira. A sessão, por sua vez, ocorre em espaço e temporalidade próprios, que se assemelham com o espaço e a temporalidade da relação mãe-bebê. Brincar propicia ao paciente, ademais, experiências de integração e desintegração. Outro aspecto do brincar deve ser levado em consideração: a precariedade da brincadeira deve ser percebida e interpretada pelo analista, entretanto, uma interpretação inconveniente e fora de hora pode acabar gerando submissão do paciente. 

Em suma, segundo o autor, brincar é essencial porque temos aí a manifestação da criatividade e que só se manifesta em um espaço propriamente criativo. No espaço potencial (aquele que está entre os objetos psíquicos internos e aqueles que são da realidade externa, socialmente aceitos) o paciente, criança ou adulto, pode mobilizar recursos disponíveis em sua personalidade, isto é, o eu, concomitante, é construído e conhecido. A brincadeira é tomada como um ambiente que proporciona uma comunicação profunda, mas indireta, entre analista e paciente. “É no brincar e talvez apenas no brincar que a criança e o adulto experimentam liberdade suficiente para criar e criar-se” (FRANCO, 2003).

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