O ambiente em que uma criança vive, desde a concepção até os seis anos de vida, afeta diretamente na saúde, na aprendizagem, no comportamento e até na longevidade delas. Uma pesquisa realizada na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP mostrou que as mães, principalmente as de primeira viagem, não compreendem a relevância dos cuidados necessários nessa fase para a vida futura das crianças. Essas mulheres não só desconhecem que as circunstâncias do ambiente doméstico afetam o desenvolvimento humano, como não buscam por informações sobre cuidados infantis, diz a enfermeira Ellen Cristina Gondim, responsável pelo estudo, que acompanhou 144 gestantes do último trimestre da gravidez até o primeiro ano de vida de seus filhos.
Participaram da pesquisa mães jovens adultas, entre 18 a 35 anos, casadas ou em união estável, com ensino médio completo e cadastradas em uma das 12 unidades com estratégia de saúde da família do distrito oeste de Ribeirão Preto, em São Paulo. “Entendendo os primeiros anos de vida como essenciais para todo o processo de desenvolvimento humano, procuramos saber o que ela sabia e o que efetivamente promoveu de cuidados para as crianças”, conta a pesquisadora. Os dados estão na dissertação de mestrado Saberes maternos sobre desenvolvimento infantil e cuidados básicos da criança pequena, apresentada à EERP em abril de 2021.
As mães foram avaliadas através de visitas domiciliares e respostas de questionários para conhecer realidades sociodemográficas, econômicas e obstétricas, além dos saberes quanto ao desenvolvimento saudável da criança. Como resultado, Ellen observou que apenas aquelas com mais idade, escolaridade e melhor renda tinham algum conhecimento sobre os fatores que impactam na vida da criança a longo prazo. Já as mais jovens e mães pela primeira vez se mostraram mais propensas à superproteção e falta de controle no uso de aparelhos eletrônicos pelas crianças, com menor probabilidade de buscar informações sobre os cuidados infantis.
Esses achados preocupam a pesquisadora que afirma serem os “saberes parentais relevantes no primeiro ano de vida”. Segundo ela, a figura materna deve compreender a importância do afeto e interação para o desenvolvimento humano e, como consequência, “a necessidade de adquirir conhecimento quanto ao aleitamento materno, à alimentação saudável, às brincadeiras e estímulos adequados para cada idade”. Cita ainda, como exemplo importante, a aquisição de conhecimentos que auxiliem a criação de rotina de bons hábitos de sono e higiene.
A professora Débora Falleiros de Mello, orientadora do estudo, concorda. Segundo ela, são prejudiciais as lacunas envolvendo os conhecimentos sobre o que é importante para os filhos, seja pela ausência de estímulos adequados ou o excesso deles ou ainda os inadequados para cada idade. A professora alerta para as consequências futuras, traduzidas em “carências que podem se prolongar e levar a danos para criança nesse processo da primeira infância que é tão importante”.
Profissionais de enfermagem como canal de conhecimento
Para Ellen, os profissionais da enfermagem podem fazer a diferença, contribuindo no processo de aprendizado parental (mães, pais ou responsáveis). Defende que o enfermeiro atue como um canal de conhecimento, trabalhando na promoção de informações científicas, explicação de dúvidas e na orientação de boas práticas parentais.
E as ações, segundo a pesquisadora, ocorreriam em “situações que incluem visitas domiciliares, consultas de enfermagem e atendimentos grupais na construção dessas boas práticas parentais”. Nos programas de saúde da família, continua Ellen, esses profissionais atuariam para identificar, avaliar e intervir nos cuidados com as crianças, dividindo a responsabilidade com as famílias.
Além do trabalho educacional da enfermagem, Ellen acredita que os resultados de seu estudo servem para repensar a prática dos profissionais da saúde diante do desenvolvimento infantil. Defende, principalmente, a “necessidade de intervenção junto destas famílias, com cuidadores parentais mais jovens, que estejam com o primeiro filho”. E também que os profissionais estejam atentos “às situações de vulnerabilidade social, demonstrando possibilidade da ocorrência de lacunas de conhecimento para essa população”.
Ellen destaca, por fim, a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a primeira infância, no sentido de garantir ações efetivas para o desenvolvimento infantil. “Esse estudo vem remetendo também, de certa maneira, à importância e à necessidade de repensar a gestão da atenção primária à saúde, a necessidade de ampliação da estratégia de saúde da família, como o maior número de profissionais de saúde e um incremento da capacitação no campo da primeira infância e também da parentalidade.”
*Por: Laura Oliveira e Rita Stella / Jornal USP
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