O papel do trabalho

Semana passada escrevi um pouquinho sobre orientação profissional e, depois disso, recebi alguns comentários que tratavam basicamente da dúvida se realmente o momento da escolha da profissão era tão importante assim, sendo que, em alguns casos, temos opção de mudar de ramo ou simplesmente deixar de ir trabalhar em algum lugar para seguir outra carreira. Pois bem, nesta semana decidi então trazer a razão pela qual colocamos o nosso trabalho numa posição central em nossa vida. 

De início, é correto afirmar que a perda do trabalho ocasiona uma ferida na identidade das pessoas, o que pode levar a desagregação de suas personalidades, pois o trabalho é considerado um dos elementos constitutivos do ser humano. Retornando ao século quinto, na Grécia, o trabalho não era valorizado, e para os romanos, trabalho era análogo a “algo que tortura”. Ou seja, para os gregos, o trabalho estava relacionado a necessidade, e tudo que está ligado a isso não define a liberdade e a grandeza do homem, e por isso a concepção de trabalho que existe hoje é diferente do que era pensado há dezessete séculos. O início dessa mudança pode ser notado com o desenvolvimento da indústria, momento no qual passa-se a perceber que o sujeito, além de sofrer sua história, é capaz de produzi-la e com isso torna-se necessário a produção de economia. 

O trabalho então começa a ser valorizado porque foi transformado no símbolo de liberdade, o que possibilitaria ao sujeito transformar a natureza e a sociedade. Dessa maneira, aquele que não empreende e nem transforma o meio em que vive não expressa sua liberdade fundamental. Ademais, neste período de revolução industrial e alterações na concepção de homem, surge a ideia de que trabalho é justamente a possibilidade de mudar as coisas e fazer objetos, além de ser a característica que difere o homem do animal. A partir desse momento os indivíduos que não trabalham passam a ser enxergados como parasitas e inúteis. Sendo assim, podemos afirmar que o trabalho é visto, por quem trabalha, como um elemento constitutivo e fundamental de sua personalidade. 

Além disso, quando se trabalha, é possível conhecer a realidade de organização do sujeito e isso possibilita que se entenda a temporalidade, o que é totalmente fundamental pois é nela em que o sujeito se desenvolve. “Quando não temos temporalidade, não sabemos mais quem nós somos nem o que temos a fazer” (ENRIQUEZ, 1999). O trabalho, portanto, é uma referência fundamental para o indivíduo, influenciando decisivamente não apenas na construção de sua identidade individual, como também em sua forma de inserção no meio social. Destarte, o trabalho se transforma num meio de realizar o projeto moderno, vindo a tornar-se central na vida do indivíduo e na civilização. O trabalhador dá sua contribuição individual para um projeto que é pensado e concebido coletivamente. Em outras palavras, o trabalho funciona como um mediador do processo entre indivíduo e sociedade, em que o primeiro renuncia seus desejos bárbaros e irracionais e se submete ao labor para a construção da sociedade moderna e, em troca, obtém a possibilidade de ser aceito e incluído na sociedade humana, sendo considerado construtor do processo e parte atuante do coletivo. Ressalta-se também, por fim, o pacto social trazido por alguns teóricos. Nele, o sujeito renuncia ao princípio do prazer (considerando um olhar psicanalítico), porém reivindica da sociedade o que lhe é de direito, que é a aquisição da competência para o trabalho. A contrapartida da cultura para com o trabalhador é a garantia de sobrevivência digna e da possibilidade de contribuir para a construção e transformação do mundo. O texto utilizado como referência é de Eugène Enriquez, intitulado “Perda do trabalho, perda da identidade”, de 1999. 

 

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