A Unidos do Viradouro entra na Marquês de Sapucaí em 2025 com um enredo carregado de força histórica e espiritualidade. Em busca do bicampeonato, a escola traz para o carnaval um personagem ainda pouco conhecido do grande público: Malunguinho. Representado como caboclo, mestre e Exu, ele foi um líder quilombola da Zona da Mata nordestina e é celebrado em tradições religiosas como o Catimbó e a Jurema Sagrada.
A escolha do enredo nasceu de uma longa pesquisa do carnavalesco Tarcísio Zanon, iniciada ainda no período da pandemia. Durante seu aprofundamento na cultura da Jurema, ele percebeu a potência de Malunguinho e sua conexão com a luta e resistência do povo negro e indígena. Para ele, a escola de samba vai além da festa: “Ela tem um papel educativo. Assim como Pamplona fez nos anos 60 com enredos sobre Zumbi e Chica da Silva, queremos trazer figuras fundamentais da história do Brasil para o imaginário popular”, disse o carnavalesco.
Malunguinho: O Mensageiro de Três Mundos
Malunguinho viveu no século XIX e liderou um quilombo itinerante, adotando estratégias indígenas para fugir dos ataques das tropas oficiais. Seu nome foi mantido vivo pela oralidade do povo e, na década de 1980, um documento policial comprovou sua existência histórica. No desfile, ele será apresentado primeiro como João Batista, o líder quilombola temido pelos senhores de engenho. Em seguida, a narrativa evolui para sua transformação espiritual, quando passa a habitar três mundos distintos: como caboclo curandeiro, mestre da Jurema e Exu Trunqueiro, aquele que abre caminhos e protege os seus.
A Viradouro tem tratado o enredo com extrema seriedade, tanto historicamente quanto espiritualmente. Segundo Zanon, a escolha de Malunguinho foi confirmada por sinais espirituais, como a aparição inesperada de uma densa fumaça durante a celebração do título de 2024. A própria equipe do barracão tem sentido a presença da entidade. “Ele pediu para ficar à esquerda, e lá ele está, sendo cuidado como nos ensinaram em Recife”, afirmou a diretora de ateliê, Alessandra Reis.
A Música e a Energia do Desfile
Para reforçar a imersão no universo de Malunguinho, a escola criou um glossário musical e uma playlist com pontos entoados em sua homenagem, disponível nas plataformas digitais. Muitos desses cantos foram aprendidos com anciãs que preservam a tradição oral. A equipe do barracão trabalha ao som dessas músicas, criando um ambiente que reflete a energia do enredo.
O clima no barracão este ano está diferente. “Parece um trabalho sagrado, operários de uma missão maior”, disse Alessandra. A dedicação ao enredo tem unido a escola de uma forma profunda, e a aposta de Zanon é que essa força espiritual se reflita na avenida. Com a bênção de Malunguinho e um trabalho minucioso de pesquisa e respeito, a Viradouro se prepara para emocionar e, quem sabe, conquistar mais um título.