Por Jornalista Pedro Ernesto Macedo
Há um paradoxo monumental que atravessa o espírito do nosso tempo, mas poucos o percebem, menos ainda ousam nomeá-lo: nunca estivemos tão informados e, ao mesmo tempo, tão desorientados.
A humanidade, em sua vertiginosa corrida tecnológica, criou um mundo onde o dado precede a experiência, a resposta precede a pergunta e a conexão substitui a compreensão. A informação, que deveria ser ponte para o conhecimento, transformou-se em obstáculo. Não mais instrumento de emancipação, mas anestésico coletivo que produz a ilusão de saber.
Não faltam respostas, falta o silêncio da interrogação.
Não faltam conteúdos, falta a reverência pela complexidade.
Não falta acesso, falta profundidade.
O excesso de informação é a nova forma de ignorância.
Parece paradoxal, mas é tragicamente lógico: a mente humana não foi desenhada para processar uma torrente infinita de dados, mas para metabolizar, refletir e transformar a experiência em sabedoria. Porém, diante da avalanche de estímulos, nosso sistema cognitivo reage com aquilo que sabe fazer melhor: simplifica, acelera, fragmenta. E, assim, afunda.
O homem contemporâneo é uma consciência dispersa, um ser que coleciona fragmentos de um espelho quebrado, acreditando que a mera posse das partes equivale à visão do todo. Mas não há síntese, não há sentido, não há verdade possível quando o que se acumula não se integra.
Sabemos muito. Compreendemos pouco. Somos donos de tudo, mas senhores de nada.
O filósofo Kierkegaard, muito antes da internet, já advertia: “O maior perigo não é o homem perder-se, mas não perceber que está perdido”. Hoje, navegamos cegamente na superfície da informação, sem bússola, sem leme, sem direção. A própria ideia de conhecimento — como processo, como busca, como travessia — se dissolve na cultura do imediatismo, do instantâneo, do pronto-consumo.
A informação é veloz; o conhecimento é paciente.
A informação é ruído; o conhecimento é silêncio.
A informação é distração; o conhecimento é foco.
Mas vivemos a era da hiperexposição, da compulsão pela atualização, da ansiedade crônica pela novidade. A cada segundo, somos convocados a saber mais e mais sobre menos e menos. E, no limite, sobre nada. A informação tornou-se espetáculo; o espetáculo, vício; e o vício, condição da nossa subjetividade contemporânea.
O homo sapiens, aquele que deveria ser o “homem que sabe”, tornou-se o homo informaticus: aquele que acumula, mas não elabora; que possui, mas não significa; que ostenta, mas não transforma.
Se outrora o conhecimento era um processo de iniciação — um rito lento, marcado pelo silêncio, pela escuta atenta, pela humildade perante o mistério — hoje ele é substituído por uma hiperatividade cognitiva que impede qualquer aprofundamento. Pensar, antes um ato de resistência, tornou-se um luxo raro.
Lemos muito, mas entendemos pouco.
Vemos muito, mas contemplamos nada.
Falamos demais, mas dizemos quase nada.
A consequência disso é um fenômeno que assombra silenciosamente a cultura contemporânea: a superficialização da inteligência. E, mais grave, a desvalorização do próprio pensamento como ato criativo e emancipador. A inteligência, que deveria ser exercício de liberdade, passa a ser confundida com a mera habilidade de manejar informações — uma técnica fria, sem espírito, sem transcendência.
Nietzsche, em um tempo ainda pré-digital, já alertava: “A profundidade esconde-se onde a superfície se mostra mais evidente”. Mas quem, hoje, ousa mergulhar? A profundidade exige tempo, exige perda, exige a coragem de não saber por um longo período. O homem contemporâneo, por sua vez, teme o vazio, teme o silêncio, teme a espera. E, assim, renuncia ao conhecimento.
Vivemos, portanto, uma era pós-epistêmica:
Não há mais busca pela verdade, apenas gerenciamento de dados.
Não há mais a aventura do pensamento, apenas a administração do saber como produto de consumo.
Não há mais mestres, apenas influenciadores.
E o mais inquietante: a maior parte da humanidade sequer percebe que está presa nesta engrenagem de acumulação estéril.
A quem serve esse excesso de informação?
Quem lucra com nossa distração?
O que se perde quando tudo se sabe superficialmente?
Talvez a grande resposta contemporânea esteja em um gesto de recusa: desacelerar, silenciar, depurar.
Voltar a perceber que o verdadeiro conhecimento é sempre um despojamento, uma desaprendizagem, uma arqueologia do essencial.
Conhecimento não é soma, mas síntese.
Não é posse, mas relação.
Não é quantidade, mas qualidade.
A travessia do conhecimento exige o abandono das certezas fáceis e o acolhimento da dúvida fértil. Exige menos acumular e mais esquecer. Menos possuir e mais entregar-se. Menos consumir e mais contemplar.
E, no fim, talvez reste apenas isto: uma inteligência humilde, consciente de sua finitude, silenciosa diante do mistério, reverente diante daquilo que não pode ser dito — mas apenas vivido.
Neste tempo de excesso, o verdadeiro sábio será aquele que souber escolher a justa medida do que não saber.
E então, quem ousará ser sábio?