Por Pedro Ernesto Macedo
Quando falamos em Brasil, falamos de um país que perde mais de R$ 500 bilhões por ano em sonegação fiscal. Um país que fecha hospitais por falta de verba, atrasa obras estruturais, corta investimentos em pesquisa e tecnologia, mas que tolera silenciosamente um sistema que incentiva o não pagamento de impostos como se fosse algo culturalmente aceitável.
A pergunta que ninguém faz é: por que se sonega tanto? Alguns preferem a resposta fácil: “porque as pessoas não querem pagar”. Mas a realidade é muito mais dura. Sonega-se no Brasil porque o sistema tributário é tão complexo, tão interpretativo e tão instável que o risco tributário virou apenas mais um item contábil de gestão de negócios.
O pequeno empresário não sonega porque quer enriquecer ilicitamente. Ele sonega, muitas vezes, porque não consegue cumprir todas as exigências burocráticas para permanecer regular. O médio empresário sonega para sobreviver em mercados predatórios, onde concorrentes que não pagam impostos praticam preços impossíveis de acompanhar. E o grande empresário, por sua vez, sonega porque o custo-benefício compensa: o volume economizado hoje é maior que o risco de ser punido amanhã.
Enquanto isso, assistimos a um CARF que acumula quase R$ 1 trilhão em processos. Processos que se arrastam por anos, drenam recursos públicos, amarram investimentos privados e transformam o contencioso tributário em um jogo de xadrez eterno. É como se o Brasil fosse um paciente em UTI, mas parte dos remédios necessários estivesse bloqueada por decisões judiciais e processos administrativos infindáveis.
É verdade que o CARF avançou. A inteligência artificial começa a agilizar análises, o Plenário Virtual acelerou julgamentos, e a redução do estoque processual é evidente. Mas a questão central permanece intocada: qual a raiz desse problema?
A raiz está em um sistema tributário que não é claro, não é linear e não é justo. Um sistema que pune a produtividade e premia a esperteza. Que incentiva planejamentos agressivos e contesta até créditos fiscais óbvios, gerando uma indústria de litígios que trava o país.
É desconfortável dizer isso, mas precisa ser dito: no Brasil, sonegar compensa. Compensa porque a fiscalização é falha, porque as punições são raras e porque há um silêncio conveniente sobre o assunto. É mais fácil criar novos impostos do que discutir a simplificação tributária. É mais simples aumentar alíquotas do que enfrentar os sonegadores de frente.
Enquanto isso, a sonegação avança como um câncer silencioso, consumindo recursos que deveriam garantir dignidade aos brasileiros. Recursos que poderiam modernizar hospitais, equipar escolas, financiar a inovação e reduzir a desigualdade.
O CARF, por sua vez, cumpre seu papel institucional. Mas sozinho, ele jamais resolverá o problema. É preciso muito mais. É preciso coragem política para simplificar a tributação, criar punições reais para quem insiste em fraudar o sistema, melhorar drasticamente a fiscalização integrada, e, acima de tudo, construir um ambiente tributário previsível, justo e funcional. Um sistema em que o empresário pague por obrigação e consciência cívica, não por medo ou extorsão fiscal.
Essa é a realidade que ninguém quer enxergar, mas que precisa ser dita.
Porque enquanto continuarmos tratando a sonegação como cultura, e não como crime econômico contra toda a sociedade, continuaremos a ser um país que fecha escolas por falta de recursos – mas abre brechas para bilhões escaparem pelo ralo da irresponsabilidade fiscal.
O Brasil precisa escolher: vamos continuar sendo o país onde sonegar compensa ou teremos coragem de construir um sistema tributário digno de um país que quer ser grande de verdade?
Pedro Ernesto Macedo