Por Pedro Ernesto Macedo
Há quem diga que não dorme por excesso de consciência. Outros juram que é por excesso de compromissos. E há ainda os que transformaram a insônia num troféu de vaidade, uma medalha de produtividade, um símbolo de importância. Dormir virou fraqueza. Quem dorme, dizem, está perdendo tempo. Mas a verdade, meus amigos, é que essa modernidade que aplaude o cansaço está nos transformando em zumbis vaidosos — e hipócritas.
A insônia, em sua origem, é o sintoma da alma inquieta. Mas hoje, virou personagem de marketing. Empresários, influenciadores, políticos — todos disputam quem dorme menos, como se a privação de sono fosse sinal de genialidade. É bonito dizer “trabalho até as três da manhã”. É elegante postar um story com a legenda “sem sono, mente criativa”. Demagogia pura. Ninguém aguenta viver de café e adrenalina emocional sem colapsar em algum canto da vida — no corpo, na família, ou na lucidez.
Vivemos um tempo em que até o sofrimento virou palco. A pessoa não dorme, mas precisa contar que não dorme. A insônia virou discurso, virou estética. As olheiras são quase um adereço de status. “Olha como eu me sacrifico”, dizem, “como eu luto”. Só que o verdadeiro sacrifício é outro: é silenciar o mundo interno, é encarar a própria mente sem precisar de holofotes. A maioria foge do travesseiro não por falta de sono, mas por medo do silêncio.
O travesseiro é o mais honesto dos espelhos. É nele que as verdades aparecem sem maquiagem, sem público e sem pauta. E aí está o drama moderno: o medo do encontro consigo mesmo. É mais fácil culpar a insônia do que admitir que a cabeça está cheia de ruídos, de vontades frustradas, de promessas não cumpridas. É mais fácil romantizar a vigília do que encarar o vazio.
Transformamos a insônia numa espécie de performance moral. “Eu não durmo porque penso demais.” Mas pensar demais, muitas vezes, é só girar em torno do próprio ego. É o pensamento viciado no barulho, na opinião alheia, no medo de perder relevância. A demagogia da insônia mora nesse teatro: o de parecer profundo enquanto se foge da profundidade.
E, claro, há o lado corporativo da coisa. Empresas celebram o funcionário que responde e-mails às duas da manhã. A cultura do “sempre ligado” é vendida como vocação, mas é apenas servidão voluntária. Gente cansada é mais fácil de manipular. Gente exausta não questiona, apenas cumpre. E a insônia, quando institucionalizada, se torna ferramenta de controle: quem dorme pouco pensa menos. E quem pensa menos, obedece mais.
Enquanto isso, a ciência grita — e ninguém escuta. A falta de sono destrói a imunidade, corrói a memória, deforma o humor. Mas quem se importa? A narrativa é mais sedutora do que o remédio. O ser humano moderno prefere adoecer com estilo do que cuidar-se com simplicidade. E assim seguimos, trocando travesseiros por telas, silêncio por notificações, sonhos por ansiedades.
O curioso é que o mundo dorme melhor quando a consciência está tranquila. E talvez seja aí que resida a verdadeira questão. A insônia moral é mais perigosa do que a física. Ela atinge quem fala de ética mas vive de conveniência, quem prega paz mas semeia intriga, quem diz defender o bem comum mas se serve primeiro. É a insônia dos falsos virtuosos, dos que dormem de dia e discursam de noite.
Sim, a insônia tem muitas causas — médicas, emocionais, espirituais. Mas o que quero dizer aqui é simples: há uma demagogia em transformar a insônia em espetáculo. O sofrimento real não se exibe. O cansaço verdadeiro não se publica. E o sono perdido por excesso de vaidade é o mais triste de todos, porque não há remédio que cure a alma em exibição permanente.
Talvez seja hora de redescobrir o sagrado ato de dormir. Não como fuga, mas como reencontro. Dormir é aceitar que o mundo pode continuar girando sem a nossa supervisão. É um gesto de humildade. Quem dorme, confia. Quem confia, descansa. E quem descansa, acorda melhor — não para parecer mais produtivo, mas para ser mais lúcido.
A demagogia da insônia, no fundo, é o retrato de uma era que confunde movimento com propósito, barulho com relevância, e exaustão com grandeza. A verdadeira força está em quem consegue, ao fim do dia, deitar-se em paz. O resto é só encenação noturna — e o palco, meus caros, está cheio de gente fingindo estar acordada.








