Por: Pedro Ernesto Macedo
A história da humanidade pode ser contada também como a história da relação entre fé e ciência. Duas forças que, à primeira vista, parecem inconciliáveis: a fé, com sua linguagem simbólica e transcendental, voltada ao mistério; e a ciência, com sua racionalidade metódica e experimental, voltada à explicação. Ao longo dos séculos, essa relação assumiu formas de conflito aberto — como nos julgamentos de Galileu ou nas disputas entre evolucionismo e criacionismo —, mas também de diálogo fecundo, quando mentes brilhantes souberam enxergar além da falsa dicotomia.
A fé, em sua raiz, não é apenas crença em dogmas. É uma experiência existencial, uma resposta à angústia diante da finitude, uma forma de sustentar a vida no meio da incerteza. Como escreveu Santo Agostinho, “inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti”. A fé dá ao homem a coragem de enfrentar o inexplicável, não como resignação, mas como abertura ao mistério.
A ciência, por sua vez, nasce da dúvida e da curiosidade. É filha do espanto filosófico que Aristóteles já identificava como motor do pensamento. Não basta admirar os fenômenos: é preciso desvendá-los, estabelecer causas, testar hipóteses. A ciência ilumina o “como” dos acontecimentos, enquanto a fé busca o “porquê”. E justamente nessa diferença reside tanto a tensão quanto a possibilidade de complementaridade.
Não é coincidência que grandes nomes da ciência tenham reconhecido a dimensão espiritual. Newton via em suas equações a assinatura do Criador. Einstein falava de um “sentimento cósmico religioso” diante da ordem misteriosa do universo. Carl Sagan, embora cético, confessava que a ciência desperta em nós um assombro quase religioso. Para todos eles, investigar a natureza não excluía, mas ampliava o mistério.
O problema surge quando ciência e fé se tornam absolutas. A ciência, ao pretender eliminar qualquer dimensão transcendente, cai no reducionismo mecanicista: transforma o homem em mera máquina biológica e a vida em equações sem alma. A fé, quando rejeita o diálogo com o saber, cai no fanatismo e na superstição. O equilíbrio consiste em reconhecer os limites de cada uma. A ciência pode descrever a atividade elétrica do cérebro, mas não pode explicar a experiência de amar. A fé pode afirmar a dignidade do ser humano, mas não descreve os mecanismos genéticos que moldam nossa existência.
Vivemos hoje numa era paradoxal. De um lado, nunca tivemos tanto conhecimento acumulado; de outro, nunca fomos tão carentes de sentido. Criamos algoritmos capazes de prever nossos desejos, mas continuamos incapazes de responder ao que significa ser humano. A medicina prolonga a vida, mas não elimina a angústia diante da morte. O excesso de dados não substitui a sabedoria. Por isso, mais do que nunca, fé e ciência precisam se reencontrar.
A complementaridade entre elas não é apenas possível, mas necessária. A ciência oferece clareza, método e transformação concreta; a fé oferece sentido, orientação ética e horizonte transcendente. Sem ciência, a fé corre o risco do obscurantismo. Sem fé, a ciência corre o risco de se tornar fria, desumana, incapaz de refletir sobre os fins.
Fé e ciência não são inimigas, mas duas linguagens da mesma busca: a de compreender a vida em sua complexidade. Como disse Viktor Frankl, “quem tem um porquê enfrenta qualquer como”. A ciência nos dá o “como”; a fé nos sustenta no “porquê”. Talvez seja hora de reconhecer que a plenitude humana não se alcança na exclusão de uma pela outra, mas na convergência entre ambas.
No fim, não se trata de decidir se fé e ciência são opostas ou complementares, mas de admitir que, sem a presença das duas, a existência fica mutilada. O homem é, ao mesmo tempo, laboratório e templo, cálculo e contemplação, finitude e transcendência. A verdadeira sabedoria nasce do encontro. E a pergunta que permanece é: até quando teremos medo de uni-las?








