‘Era uma vez na América’: 40 anos de gângster, amizade e remontagem

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Robert De Niro é Noodles no último filme de Leone (Crédito: Reprodução)

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Completando 40 anos em 2024, “Era uma vez na América” (1984, EUA/Itália), que é baseado no romance “The Hoods”, de Harry Grey, é um filme atípico na produção do italiano Sergio Leone (1929-1989).

Primeiro, porque não é um faroeste, gênero que o consagrou no chamado “western spaghetti” com a Trilogia dos Dólares e a obra-prima “Era uma vez no Oeste” (1968). Ali, estão os famosos enquadramentos leonianos, o ritmo distendido do tempo e a trilha do maestro Ennio Morricone (1928-2020).

O longa-metragem de 1984 é um filme urbano de gângster, ao contar a história dos amigos David “Noodles” Aaronson (Robert De Niro) e Maximilian “Max” Bercovicz (James Woods), que se conhecem na adolescência num bairro judeu em Nova Iorque, o Baixo East Side. A narrativa alterna entre os tempos nos anos de 1920/30 e o presente de 1968, quando Noodles está velho e aposentado das ruas, tendo sido instado a retornar.

Mas o principal detalhe desse filme na cinematografia de Leone é a mutilação feita à época de seu lançamento nos cinemas norte-americanos. No primeiro corte, “Era uma vez na América” tinha 3 horas e 47 minutos de duração, com tons operísticos, uma verdadeira epopeia sobre a história norte-americana a partir de temas como amizade e criminalidade.

Em matéria publicada em 1984, a revista semanal brasileira “Manchete” reproduziu ao longo de quatro páginas, em português, a reportagem da “Time” relatando que a “versão The Ladd Company” simplesmente ceifou o longa-metragem original, reduzindo para 2 horas e 24 minutos. Naquele ano de 1984, essa fita condensada era exibida em 894 cinemas nos Estados Unidos.

Segundo a revista, uma equipe chefiada pelo montador Zach Staenberg pôs em ordem cronológica a história do longa, suprimindo algumas das cenas de violência mais operísticas. Um verdadeiro crime contra a obra de Leone, que utilizou a oposição de tempos para contar uma história sobre ascensão e derrocada.

Porém, a Ladd Co. tinha receio de outro fracasso em mãos, pois considerava a versão leoniana como uma “fantasia de auteur”. “Achamos que o original de Leone era um filme maravilhoso. Mas a reação à pré-estreia nos fez repensar a situação”, disse o então vice-presidente da Ladd Co., Jay Canter. Havia também o receio de ter apenas uma sessão por noite nas salas de cinema.

Gangue juvenil de Noodles e Max, em cena do passado (Crédito: Reprodução)

Versão do diretor
Já o filme feito segundo as especificações de seu diretor, com suas quase quatro horas de duração, estava em cartaz apenas em Paris, na França, com ótimas bilheterias, e Chicago, nos EUA, em 1984. A reportagem da “Time” o classificou de “filme alucinatório, soturno, arrastado”; e a versão picotada de “ágil, menos ambiciosa e audaciosa, dramaticamente mais coerente”.

Logo se vê a preferência da “Time” no texto de Richard Corliss. “Leone filmou a história ao estilo luxurioso, mítico, que desenvolveu em seus populares ‘spaguetti westerns’, com Clint Eastwood, e aperfeiçoou em ‘Era uma vez no Oeste’, um tributo glorioso, enlouquecido, feito por um estranho ao cinema clássico de Hollywood. Desta vez, porém, as personagens não são arquétipos grandiosos, empertigados. Noodles e Max, seus capangas e adversários, são figuras delgadas, perdidas em venalidade; e o filme de Leone, fiel ao tema, é frio, brutal e meditativo”, diz o texto publicado em português na extinta “Manchete”.

Mas o tempo, este elemento tão caro ao cinema leoniano, provou que a revista norte-americana estava errada. Mesmo nesse formato operístico, com seus problemas narrativos, a versão maior de “Era uma vez na América” é a mais acertada e fiel às ideias de Leone. Apenas o longa-metragem original consegue estabelecer o conflito das personagens e provocar angústia no espectador sobre o destino delas. Justamente por causa do tempo fora da ordem cronológica.

Por exemplo, a narrativa inicia no passado, quando Noodles escapa de ser morto e compra a passagem no primeiro trem disponível. Em seguida, ele olha para uma paisagem na parede da estação e o espectador é transportado para o presente no mesmo local. Mas com o protagonista velho, retornando para Nova Iorque décadas depois. Este é um caso típico de como Leone atravessa presente e passado em seus filmes.

Robert De Niro (Noodles) e o diretor Sergio Leone no set de “Era uma vez na América” (Crédito: Reprodução)

Último
“Meu filme é uma homenagem aos filmes americanos que eu amo”, disse Leone a Denise Worrell, correspondente da revista “Time” no Festival de Cannes, em 1984.

Assim, “Era uma vez na América” se tornou sua última incursão em um set. O cineasta romano morreu em 1989, aos 60 anos de idade, pouco antes de iniciar seu último projeto; o filme se passaria na União Soviética invadida por nazistas, nos anos de 1940.

Sonho
A reportagem da “Time” observa também que “Era uma vez na América” seria um filme de arte europeu, já que raramente adquire a aceleração de um ágil produto hollywoodiano. Nesse sentido, o longa leoniano tem uma atmosfera de sonho, regado pelo ópio em várias cenas.

Aliás, sem querer dar um spoiler, o filme tem um final enigmático que gera dúvidas até hoje nos espectadores. Uma espécie de “sorriso de Monalisa”. Afinal, tudo teria sido um devaneio, um sonho?

Reportagem da “Manchete” publicada em 1984, utilizando material da “Time” (Crédito: Reprodução)

Documentário
Em 2022, Francesco Zippel dirigiu o documentário “Sergio Leone – O Italiano que inventou a América”, uma produção da Leone Film Group e Sky Studios Italia.

Nomes como Clint Eastwood, Martin Scorsese, Dario Argento, Steven Spielberg, Quentin Tarantino e outros grandes nomes do cinema se juntam para prestar homenagem ao cineasta romano, que teria completado 95 anos de idade em 2024, caso ainda fosse vivo.

É um documentário rico com preciosas imagens de arquivo da Cineteca di Bologna que testemunha o percurso de um homem que mudou a sétima arte para sempre.

Max e Noodles, em uma das cenas do passado (Crédito: Reprodução)

Serviço
“Era uma vez na América” está disponível em serviços de streaming para assinantes, como é o caso da Mubi e do Star+. É a versão original de Sergio Leone, com 3h e 49 minutos de filme.

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