Todos os dias, tão certo quanto amanhece e anoitece, ela aparece na Zona 7, remexe as caçambas de lixo nos quarteirões próximos à UEM, pega algumas coisas, enche um carrinho e vai embora. Não fala com ninguém, ninguém fala com ela. É quase invisível, pouca gente já percebeu que ela vem todos os dias ou ao menos que ela existe.
Chama Luzia. Luzia Rosa Zampieri, tem 75 anos e mora em Maringá há quase 70, primeiro nas fazendas de café desde que chegou menina, com a família, vinda de Bauru, São Paulo, depois, já casada, veio para a cidade e teve nove filhos enquanto o marido trabalhava de guarda noturno, no Frigorífico Central, na construção civil, em tudo um pouco.
A vida de percorrer as lixeiras arrastando um carrinho vem desde a morte do Aparecido Zampieri, o marido. Dos nove filhos, restam quatro, dois ainda moram na casa dela, um com 26 anos e outro com mais de 40, que nunca tiveram carteira de trabalho, nem patrão e nem se dão ao trabalho de sair de casa para procurar emprego.
“Deus dá jeito pra tudo”, é o que diz a mulher quando alguém pergunta como consegue sustentar a casa.
Todo dinheiro que entra na casa é do material reciclável que dona Luzia cata nas caçambas de lixo e pode ser vendido. Isso quando ela mesma vende… as vezes as vendas são feitas pelos filhos, que certamente não sabem o peso do carrinho da mãe depois de carregado, principalmente na hora da subida da Avenida Mário Clapier Urbinatti.
Por mais que a mulher encontre coisas aproveitáveis para reciclagem, dificilmente vai ganhar mais de R$ 5 por dia.
Para dona Luzia, “todos os dias” não é força de expressão. Ela trabalha mesmo todos os dias e, mesmo sendo quase invisível, algumas pessoas no seu caminho já perceberam isso. Ela já chega com aparência de cansaço, muito cansaço, talvez pelo longo caminho feito a pé, talvez pelo peso do carrinho, talvez pelo peso dos 75 anos, talvez pela desesperança que isso vai mudar.
Todos os dias são mesmo todos os dias para dona Luzia, que chega arrastando os pés calçados com sapatos que não lhe servem tão bem quanto serviam à primeira dona, o vestido certamente já foi de outra pessoa, assim como o chapéu.
Invisível, ela vai estar olhando para dentro das lixeiras mesmo que o sol esteja insuportável, mesmo que esteja chovendo, mesmo que as mãos e os pés estejam doendo com o frio, mesmo que não tenha tomado a insulina para reduzir os efeitos da diabetes, mesmo que lhe faltem os comprimidos para as doenças do coração, que as artrites não deixem andar direito, a tireóide… o cansaço, o peso da idade, a falta de esperança.
Dona Luzia vem todos os dias, nem sabe se é aniversário de uma das netas, se é Natal, se é dia santo ou feriado nacional. Ela nem fica sabendo dessas datas. Nem que existe o Dia da Mulher. Seu único consolo é que Deus dá jeito pra tudo.
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