Os eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul, uma das economias mais robustas do país, vão deixar um imenso acervo de aprendizado. Talvez a lição mais importante seja a necessidade urgente de reconhecer que as intervenções na natureza e a flexibilização das regras de desmatamento e da ocupação urbana desordenada cobram um preço alto, não apenas em destruição de estruturas físicas, mas também sonhos, esperança e, principalmente, vidas.
Os alertas sobre episódios climáticos mais intensos e frequentes começaram a soar mais alto no início de 1990, quando relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ligado às Nações Unidas, indicavam aumento dos desastres naturais em função do aquecimento global. Estima-se que as temperaturas subiram pelo menos 1,2 graus celsius em relação ao período pré-industrial. Ainda que negacionistas tentem desconstruir a relação aquecimento global com mudanças climáticas, a prática confirma a teoria.
Os acontecimentos dos últimos anos, dos quais as enchentes no sul do Brasil são exemplos próximos e estarrecedores, apontam para a necessidade urgente da resiliência climática, termo usado com mais recorrência nos últimos anos, contudo, sem aplicação prática efetiva. Segundo a Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) a expressão define um conjunto de iniciativas e estratégias que permitem a adaptação, nos sistemas naturais ou criados pelos homens, a um novo ambiente, em resposta à mudança do clima atual ou esperada.
Aliás, vale um recorte aqui sobre a PNMC, instituída em 2009 para oficializar o compromisso do Brasil junto aos esforços das Nações Unidas para estimular medidas para redução de emissões de gases de efeito estufa e suas consequência sobre o aquecimento global. A iniciativa unificou diversos comitê, conselhos, comissões e fóruns direta ou indiretamente ligados ao tema, convergindo ações, metas e estratégias, mas em 2020 o governo promoveu um ‘revogaço’, extinguindo essas instâncias e descontruindo uma longa sequência de protocolos.
Ainda que a PNMC esteja em processo de reorganização e reconstrução – e sem entrar no mérito da justificativas para o decreto 9.759 de 11 de abril de 2019, que levou a revogação no ano seguinte -, perdeu-se no caminho tempo precioso para avançar numa estrutura não apenas de reação rápida aos desastres naturais, mas essencialmente de previsão, fundamental para preservar vidas. Nesse contexto, é válido também lembrar que o país dispõe de um Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap).
Criado por decreto em 1969, nunca entrou em vigor e foi revogado em 2010, quando passou a valer nova lei. Em 2012, outra lei recriou o fundo e em 2014 nova legislação de aprimoramento do mesmo tema. Nada aconteceu até hoje. Aliás, o objetivo do fundo é convergente com a discussão atual a partir do desastre gaúcho: garantir recurso e facilitar as transferências da União para prevenir, socorrer cidades e estados após tragédias. O Funcap permanece como um esqueleto no armário revisitado a cada momento dramático sem a contrapartida da esperada lei específica para torná-lo viável.
A expectativa é que avancem os debates sobre a criação de protocolos e fundos de recurso para garantir o rápido atendimento de populações vítimas de desastres naturais, considerando que episódios climáticos extremos serão cada vez mais recorrentes, como alertam cientistas há décadas. Não há margem para exitar na definição de uma política nacional, capaz de fazer a interface com as legislações estaduais e municipais que assegurem não apenas velocidade ao repasse de recursos, mas assertividade e compreensão da extensão do drama de quem vive a destruição e suas consequências. O tempo nesse caso não é aliado, mas sim o inimigo a superar – e respeitar!
Texto de opinião de ISABELLA FERRI B. FERRI MENDES, que é arquiteta e urbanista (CAU A40356-3), formada pela PUC/PR, com atuação em regularizações urbanas e edilícias, além de trabalhos na área de arquitetura da saúde e vigilância sanitária.
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