Em um dos primeiros singles de trabalho do álbum “Canela Baby”, a banda maringaense Little B. and the Mojo Brothers canta “Sorry if i had to kill you/You left me no choice/Then let your madness take all over/I could not recognize you anymore” (“Desculpe se eu tive que te matar/Você não me deixou escolha/Então deixou sua loucura tomar conta de tudo/Eu não consegui mais te reconhecer”).
É um trecho da letra da bela balada “Sad Son” (composição/letra de Beatriz Colnago), quinta faixa do primeiro disco de estúdio do quarteto formado por Beatriz Colnago (vocal, teclado, organ, backing vocal), Marco Teixeira (guitarra), Natália Gimenes (baixo) e Renan Sanches (bateria).
Segundo a compositora, também conhecida como Bia, trata-se de uma canção que exala ao mesmo tempo beleza e tensão. Em muitas das dez faixas do disco, já disponível nas plataformas digitais, a banda explora o atrito das convenções sociais e dos relacionamentos. Tudo isso embalado por uma sonoridade atmosférica, levando o ouvinte a outra essência, quintessência. É o conhecido rock psicodélico da Little B., mas com outras pitadas, mais tropicais.
“A ‘Sad Son’ surgiu então de um sonho pessoal e libertador que tive. 4 acordes, muitos sentimentos. Foi um som bem difícil de ser trabalhado entre nós 4, não sei se por conta do tema, ou do fato de ela ser simples e isso não deixar a música avançar. Sei que ela ficou mais de 1 ano encostada, e fomos trabalhar em outros sons enquanto isso. Hoje pra mim, é a melhor música do álbum, tanto em quesito de melodia, letra, quanto na forma de abordar o sentimento e sua construção estrutural como um todo”, explica Bia, em entrevista a este O Maringá.
Além do material disponível no digital, o público terá oportunidade de ouvir ao vivo “Canela Baby” (disco produzido com verba do Prêmio Aniceto Matti) durante a Virada Cultural de Maringá, neste fim de semana, dias 29 e 30 de julho, na praça do antigo aeroporto. A Little B. vai tocar no sábado, 29, a partir de 19h30, no Palco da Cena – Música.
“Para a Virada Cultural estamos preparando a apresentação do álbum ‘Canela Baby’ na íntegra, com muita energia e muito rock psicodélico. Teremos a presença dos artistas que participaram do álbum com a gente, o 43duo, o JP Carvalho e o Mateus Alabi. A cantora maringaense Ariadne Gomes também estará presente, fazendo backing vocals e deixando tudo ainda mais especial”, adianta Bia.
A seguir, a conversa com a vocalista, instrumentista e compositora.
Nas letras, as faixas do álbum expressam, para mim, um estar no mundo e suas consequências, como é o caso de relacionamentos (amorosos ou não), e a tensão das convenções sociais, por exemplo. Como, Bia, você chegou à construção de temas e imagens? Era algo que vinha maturando há algum tempo? Como é a sua trajetória de letrista?
Eu sempre gostei da escrita como forma de expressão. Desde pequena eu sempre gostei de ler, escrever… criava pequenos poemas e cartinhas. Quando tinha uns 10 anos, ganhei um prêmio de poema da escola que estudava. Durante a faculdade de Comunicação e Multimeios na UEM, descobri que essa chama de escritora ainda existia em mim, pois recebia bons retornos de professores sobre os textos jornalísticos e audiovisuais que escrevia. Acabei seguindo o caminho do roteiro cinematográfico por gostar muito de cinema, e assim poderia me dedicar à escrita. Porém, compor músicas pra mim sempre foi um trabalho muito árduo e custoso até certo momento. Eu sempre pensava na linguagem letrada e musicada de uma forma literal, e isso me deixava muito brava. Se eu queria falar que estava feliz, ou triste, ou apaixonada, eu simplesmente falava: “estou feliz, triste, apaixonada”. Literalmente assim. Odiava, amassava tudo e achava que não era pra mim, mas ao mesmo tempo eu sentia que tinha muito a dizer através da música. Sempre amei música. E de uma hora pra outra, isso deu um estalo na minha cabeça em abril de 2020, quando o Marco me apresentou pro mundo dos Beatles. Assistimos ao documentário “Antology” repetidas vezes e eu simplesmente fiquei encantada com o processo de composição deles, principalmente com McCartney. Fiquei viciada(rs), comprei livros, etc. Na mesma época, tudo estava muito sensível também pra mim. Foi um ano de descobertas pessoais profundas, muitas questões envolvendo relações amorosas e familiares, distanciamento e frustrações. Meu pai contraiu COVID e quase morreu. Um dia acordei e tive um sonho bem maluco, e bem libertador artisticamente falando, e pensei “preciso de uma caneta agora”. Peguei a caderneta que estava ao meu lado e escrevi em segundos “Sad Son”. Foi minha primeira música escrita. Fiquei tão feliz por que eu achei a letra ótima, e meio que eu já pensei na melodia junto. Ela estava pronta e mudei pouca coisa. A partir daí, eu entendi a linguagem da composição, e o processo se tornou muito natural: uma letra e melodia surgia enquanto eu lavava louça, outra no meio do trânsito (e eu precisava pegar o gravador do celular correndo pra registrar e trabalhar nela mais tarde), enfim. Me encontrei. E aí as composições foram surgindo assim: partia de algo subjetivo meu, um sentimento ou vivência, e a escrita mais poética transformava esse sentimento pessoal em algo geral (como foi o caso de “Souls for Sale” também, que escrevi quando meu pai estava na UTI e eu não suportava o comportamento das pessoas na pandemia). Foi a forma que encontrei de expressar a minha existência no mundo.
Em muitas faixas, Bia, você também é a compositora (sozinha ou cocriadora). Como se dá a conjunção de letra e música? E como essas canções caem na mão da banda? Ou seja, qual é o trabalho sonoro?
Não tenho muito um caminho de preferência para compor. Às vezes eu começo o trabalho de composição com um riff, ou melodia, e aí acrescento a letra em cima, como é o caso de “No Land for Young Folks”, “Souls for Sale” e as “Sunshine”. Outras vezes, escrevo primeiro a letra pra depois adicionar melodia ou riff central, como fiz em “Canela Baby”, “Sad Son” e “Once I Was a Girl”. Não sou uma compositora que se força ou sente a obrigação de escrever todo dia, eu escrevo quando tô aberta a isso, mas se precisar ser rápido, consigo também. É o meu processo. Na Little B. funciona assim: tem uma ideia? Traz pro ensaio e trabalhamos nela. Sempre tivemos a composição centralizada principalmente em mim, ou em conjunto com o Marco. Então geralmente eu começo um riff sozinha ou com o Marco, ou a partir de uma jam que rolou com a banda toda, desenvolvo a melodia ou letra e depois levo pro ensaio. A partir daí, o Chor e a Nat colocam as interpretações deles e definimos os arranjos em conjunto. A diferença agora em “Canela Baby” é que a composição descentralizou um pouco: em “Boy Neon”, por exemplo, toda a concepção, melodia e riffs da música partiram do Marco. Depois rolou um feat. especial nesse som, onde o Marco convidou a Luana e o Hugo do 43duo para participar do processo com a gente. O Hugo foi compositor da letra cantada dele, e eu da minha. A Luana adicionou as linhas de percussões.
As dez faixas de “Canela Baby” já vinham sendo compostas nos últimos anos? Como foi o processo de produção do disco em Pradópolis (SP)? Foi um processo intenso, por ter ocorrido em apenas quatro dias? A importância de Fabio Fonzare na gravação? A banda se autoproduziu?
A ideia do álbum foi abranger praticamente todas as nossas composições autorais até então, exceto umas 3 ou 4 que achamos melhor trabalhar mais tarde, e assim, apresentar a Little B. pro mundo. Então algumas faixas são de 2020 e 2021, e já foram lançadas em formato de single e ou EP gravado ao vivo. O que fizemos foi agrupar essas faixas, trabalhar melhor nas que tínhamos apenas o registro ao vivo, e trazer os sons inéditos, que começamos a compor em 2022. Então vem sendo um trabalho de 3 anos.
Eu conheci o Fonzare em um curso que participei aqui no SEBRAE de Maringá, de music business. E lá ele falou que gostaria muito de trabalhar com a Little B. um dia. Guardei essa frase na cabeça. Desde então ele vem trabalhando na parte de mixagem e masterização com a gente. Quando saiu o Prêmio Aniceto Matti, ele entrou com a parte de nos ajudar também na pré-produção e gravação. E aí dirigimos mais de 500 km até Pradópolis, onde fica o estúdio dele. Foi bem cansativo pra falar a verdade, porque a gente precisava gravar tudo no carnaval, em 4 dias. Era o único momento que nós 4 – e nossa fotógrafa Giulliana – tínhamos pra poder unir pelo menos 4 dias de produção contínua. Tivemos que ficar bem focados para dar conta, das 9h da manhã às 9h da noite, às vezes mais no estúdio. Só parávamos para comer, tomar um café e dormir. Pradópolis é uma cidade pequena, bem agradável… com um parque bonito que sempre íamos relaxar depois de um dia de estúdio. Foi bem prazeroso, e conseguimos nos concentrar bastante. Mas como disse, cansativo. E o Fonzare foi bem importante para ajudar a manter esse foco também: ele é bem centrado e ajuda a achar soluções para problemas pontuais. No final, o marco finalizou algumas faixas de guitarra em nosso home studio em Maringá, eu também regravei umas duas vozes para acrescentar umas mudanças com influências do nosso show ao vivo. A primeira faixa “Kaya” foi gravada inteiramente em Maringá, pois lá em Pradópolis ela só estava no esboço. A produção do álbum é nossa, isso quer dizer que a música e seu formato final é pensado por nós quatro. O Fonzare entra como engenheiro de som, que faz todo o trabalho técnico de gravar, mixar e masterizar, no nosso caso. No entanto, ele é um profissional que dá suas boas opiniões, que às vezes acatamos, as vezes não, mais por estarmos experimentando e encontrando nossa identidade mesmo. Ele nos deixa bem à vontade com as escolhas e não é aquele profissional que quer competir com o artista por ego, enfim. Ele é uma pessoa muito direta, atenciosa e sincera. Esqueci de mencionar: paciente, muito paciente! Somos novatos, é nossa primeira vez criando um álbum, e somos bem meticulosos. Enquanto o som não chega no que queremos ouvir, não passamos pro próximo. E ele foi bem acolhedor e parceiro mesmo, tanto na parte de pré e produção, quanto na pós – que foi a parte mais demorada, ainda mais por estarmos distantes. Fizemos várias chamadas de vídeo até tarde da noite.
Em termos de sonoridade, o que “Canela Baby” representa na história da Litte B.? Percebi uma abertura às outras sonoridades. Imagino que o público vem comentando bastante sobre “Boy Neon”, que saiu como single.
Eu e o Marco escutamos muitas músicas com sonoridades bem nacionais, e fortes influências do bolero, carimbó e músicas regionais. Criolo, Jards Macalé, Otto, Lanny Gordin, Gal Costa, Felipe e Manoel Cordeiro, Dona Onete, Tibério Azul. Pra você ter noção, tem uma playlist nossa que se chama pós-brega cheia dessas influências, e ela vive no repeat. ‘Canela Baby’ foi uma das últimas músicas que escrevi antes de irmos pra Pradópolis, e estávamos muito influenciados por esses sons… então meio que ela surgiu como uma grande referência a eles. É uma música que fala sobre amar um outro que não eu mesmo, e ter que lidar com as diferenças e ainda sim continuar amando. Então ela traz uma sensualidade, uma tristeza e claro, uma breguice.
A meu ver, uma das marcas da banda é essa capacidade musical de despertar sensações e permitir que o ouvinte “viaje” nas letras e no fraseado. Cria-se uma atmosfera etérea em algumas faixas. Sempre foi a opção da Little B. caminhar por esse terreno? Claro que isso exige um trabalho técnico e instrumental – não poderia deixar de comentar sobre a guitarra ritmada e contagiante; o clima de teclado, organ, sintetizadores; a cozinha de baixo/bateria; e o vocal com verdade.
A Little B. nasceu como uma banda de blues rock pra fazer um som de boa nos bares da cidade, tirar uma graninha e curtir um som, principalmente. Mas desde o início, nossas interpretações vinham com características e timbres pessoais que fomos construindo e aprimorando em todos esses quase 7 anos. Quando lançamos nosso primeiro single, “No Land for Young Folks”, ele já veio – e como veio – super carregado dessa sonoridade que chamamos de psicodélica por conta dos efeitos e linguagens adotadas, que criam um efeito lisérgico, flutuante. Veio de influências das culturas psicodélicas dos anos 60 e 70. E foi muito bem aceita por nós e pelo público. Nosso álbum é bem heterogêneo dentro do rock, mas todas as faixas são guiadas pela linha da psicodelia.
Na guitarra, delays, fuzz, reverbs, tremolos, phaser. Na voz, delays e reverbs, tenho ainda um drive natural que gosto muito pro rock and roll. A Nat e o Chor são extremamente criativos nas linhas que fazem na cozinha, o que abraça todo o som perfeitamente, trazendo um groove e batidas únicas. Às vezes eles também adicionam alguns efeitos como reverb, fuzz e delays na pós-produção. Eu sempre gravo meus teclados do jeito que eu toco ao vivo, por que acho que eles dão um preenchimento que dá um corpo ainda mais orgânico e psicodélico ao som. Isso é algo bem interessante na banda também: gostamos de um som mais orgânico. O Marco não curte nem um pouco gravar a guitarra com plug-ins digitais: ele pluga em pedais e usa cubo valvulado e microfonado, o que traz aquela característica vintage de um som quente e com muita presença. Muitas vezes nós gostamos também de gravar ao vivo – que não foi o caso do álbum – e sem metrônomo pra não ficar tão mecânico, como rolou em algumas das faixas. Pra fechar, tivemos os instrumentos e participações adicionais no álbum que reforçaram essa identidade psicodélica: a Luana Santana e o Hugo Ubaldo, do 43 duo, somaram com guitarras e percussões cheias de detalhes, o JP veio com os sopros flutuantes, o Jimmy Pappon adicionou belíssimos complementos no piano elétrico e clavinet, e o Mateus Alabi fechou com seus batuques precisos.
Serviço
Álbum “Canela Baby”, da Little B. and the Mojo Brothers
Disponível nas plataformas digitais
Para conhecer mais sobre o som da banda, acesse:
www.youtube.com/c/LittleBandTheMojoBrothers
www.instagram.com/littleb.mojo/
https://littlebmojobrother.wixsite.com/lbmb