Por Pedro Ernesto Macedo
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”
— Luís de Camões
No coração das lavouras brasileiras, entre a poeira dos tratores e o brilho das planícies, cresce algo mais silencioso que o milho e mais sutil que o algodão: a consciência.
Mas ela ainda é tímida. Esconde-se entre planilhas de compliance, certificados ambientais e discursos corporativos sobre sustentabilidade.
Essa nova colheita, ainda verde e mal compreendida, chama-se ESG — Environmental, Social and Governance.
No entanto, reduzir o ESG a uma sigla ou a uma tendência de mercado é repetir com palavras novas o mesmo erro de sempre: pensar que o campo serve apenas para extrair, medir, vender.
Falar de ESG no agro não é apenas falar de práticas sustentáveis, mas sim da filosofia profunda da relação entre o ser humano e a terra. E talvez ninguém tenha antecipado essa dimensão melhor do que dois nomes que nunca pisaram numa lavoura: Luís de Camões e Friedrich Nietzsche.
Camões: O Agro como Mudança e Destino
Camões falava do mar, das navegações, da glória e do tempo. Mas seu verso sobre a mudança é, talvez, a melhor metáfora para o que o agro vive hoje.
Mudam-se os tempos, sim. O agronegócio já não é mais apenas o território da produção. Ele é palco de debates sobre biodiversidade, direitos humanos, ética empresarial, descarbonização, governança, transparência.
Mas o que ainda não mudou — e deveria — é a forma como o próprio produtor vê a si mesmo. ESG não pode ser um “departamento” ou uma exigência burocrática.
Deveria ser o novo epicentro identitário do produtor moderno.
Camões, ao falar de “novas qualidades”, talvez nos ofereça uma chave: o agro do futuro é aquele que muda não apenas suas técnicas, mas seus valores essenciais.
Nietzsche: ESG como Superação de si Mesmo
É aqui que entra Nietzsche.
O filósofo do martelo, aquele que desconstruía os ídolos e pregava a transvaloração dos valores, nos legou uma das mais provocativas ideias da modernidade: o além-do-homem — aquele que rompe com os condicionamentos da tradição e cria novos sentidos para a existência.
Aplicado ao agro, isso é radicalmente transformador.
Nietzsche diria que o produtor que apenas segue cartilhas e indicadores de sustentabilidade ainda está no campo da “moral do rebanho”.
Mas o produtor que pensa eticamente, age com propósito e constrói um legado sustentável por convicção profunda, esse sim se aproxima do além-do-homem.
Esse é o agricultor que não apenas cultiva alimentos, mas cultiva o próprio tempo.
Nietzsche nos convida a transcender a obediência e buscar a autenticidade ética, aquela que nasce de dentro — como uma semente plantada com as mãos nuas.
O ESG Não É um Fim, É um Começo
ESG não é sobre preservar o planeta apenas.
É sobre preservar a si mesmo, a dignidade de produzir com verdade, com respeito, com grandeza.
É quando o solo deixa de ser um “recurso” e volta a ser terra sagrada, como sabiam os antigos.
É quando o lucro se submete à consciência.
É quando a governança não é instrumento de controle, mas de clareza.
Não é à toa que grandes mercados globais já exigem não apenas rastreabilidade técnica, mas transparência moral. O futuro do agro brasileiro dependerá menos da produtividade por hectare e mais da credibilidade por decisão.
O Brasil: Solo de Ética ou Solo de Oportunismo?
A pergunta que ninguém está fazendo — e deveria — é esta:
O Brasil será protagonista do novo agro ético ou será apenas um exportador resignado à lógica dos outros?
Temos o solo, o clima, a tecnologia.
Mas falta uma coisa: uma identidade ética profunda que una sustentabilidade com cultura, com filosofia, com literatura, com verdade.
Somos um país capaz de citar Camões, mas ainda incapaz de ver o agro como um ato poético.
Somos um país que precisa de mais Nietzsche e menos discurso pronto.
Conclusão: O Agro que Pensa é o Agro que Persiste
Nietzsche dizia: “Quem tem um porquê enfrenta qualquer como.”
Camões dizia: “Por mares nunca dantes navegados.”
O ESG verdadeiro é esse novo mar. É navegar onde ainda ninguém navegou no Brasil: na junção entre produtividade e humanidade, entre lucro e poesia, entre técnica e ética.
O agro que queremos — e precisamos — é aquele que pensa.
Pensa com a terra. Pensa com o tempo. Pensa com o coração.
Porque, no fim, a única semente que resiste às tempestades do mundo é aquela plantada com consciência.