Por Pedro Ernesto Macedo
Jornalista e escritor
“O imposto é a arte de depenar o ganso sem fazer com que ele grasne demais.”
— Jean-Baptiste Colbert, ministro de Luís XIV
A história econômica do Brasil é marcada por um paradoxo: quando algo dá certo, o Estado corre para taxar. Ao invés de entender a prosperidade como um motor do desenvolvimento, trata-a como um erro a ser corrigido. O novo alvo, agora, é o agronegócio. O governo propõe a tributação de instrumentos até então isentos e fundamentais para o financiamento rural, como as LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e os CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio). O argumento é singelo: arrecadar mais. Mas, como diria Bastiat, “há o que se vê e o que não se vê”.
O que não se vê
O que não se vê — e por isso mesmo é mais perigoso — é o risco sistêmico que essa mudança provoca em toda a cadeia do agronegócio. A taxação de instrumentos financeiros que sustentam o crédito rural não apenas encarece a produção agrícola, mas reduz o apetite dos investidores e ameaça a previsibilidade de um dos poucos setores que ainda operam com altos níveis de eficiência e competitividade internacional.
É preciso dizer com todas as letras: o agro não é só importante — ele é essencial. Responde por quase 25% do PIB nacional, sustenta superávits comerciais, emprega milhões de brasileiros e leva o nome do país a mercados cada vez mais exigentes. Atacar seu coração financeiro é um erro técnico e uma imprudência política.
Maquiavel, o campo e o poder
Maquiavel advertia que o governante sábio sabe quando recuar. Que o príncipe eficaz deve “evitar ser odiado, especialmente por aqueles de quem depende para manter seu poder”. Nada mais atual. O governo brasileiro depende do agro — para crescer, exportar, equilibrar contas externas e garantir abastecimento interno. Mas parece esquecer disso ao ceder à tentação de tributar, não por necessidade, mas por conveniência ideológica.
A sanha arrecadatória revela um profundo desconhecimento do que é o agronegócio contemporâneo. O campo hoje é digital, integrado, globalizado. Trabalha com margens apertadas, riscos climáticos crescentes e ciclos longos. Ao contrário do que muitos pensam, não existe romantismo no agro moderno — há gestão, ciência, capital e suor.
Hayek e o erro da prepotência tecnocrática
Friedrich Hayek nos alertava que o planejamento central fracassa porque nenhum comitê tem a informação total para tomar decisões corretas sobre sistemas complexos. A tentativa de regular por decreto o que foi construído com base em incentivos de mercado é mais do que arrogante — é cega.
Ao tributar LCA e CRA, o Estado rompe com uma lógica construída há décadas, que não apenas democratizou o crédito rural, mas atraiu o capital urbano para financiar a produção. Trata-se, portanto, de uma ponte entre o Brasil urbano e o Brasil profundo — uma ponte que agora se ameaça destruir.
A inteligência da terra
O agro brasileiro não é um acaso. É fruto de décadas de investimento em pesquisa tropical (graças à EMBRAPA), de abertura de novos mercados, de reinvenção tecnológica e de uma rara inteligência operacional. Essa inteligência da terra, silenciosa e constante, transformou o cerrado em celeiro, o produtor em empresário, a lavoura em ciência aplicada.
E é exatamente essa inteligência que está sendo punida. O sucesso no Brasil é tributado como se fosse suspeito. A eficiência, vista como ameaça. A liberdade econômica, tratada como privilégio.
Mas aqui, deixo claro: o agro não é privilégio, é vocação nacional. E cabe a nós defendê-lo com o mesmo orgulho com que o mundo consome nossos grãos, frutas, carnes, algodão e etanol.
O papel do colunista: pensar o Brasil que dá certo
Escrevo estas linhas não apenas como analista — mas como brasileiro que acredita no valor do campo. Não defendo privilégios, defendo coerência. Não argumento contra a justiça fiscal, mas contra a miopia técnica que confunde arrecadação com desenvolvimento.
Quando o governo tributa os instrumentos que financiam a produção, está, na prática, retirando o adubo que fez o Brasil florescer nas últimas décadas. Está estrangulando o crédito, desestimulando o investidor e empurrando o país para uma inflação alimentar silenciosa, mas devastadora. E o mais grave: faz isso sem um plano claro de destino para esses recursos, sem transparência, sem diálogo com quem vive a realidade da porteira para dentro.
Conclusão: quem alimenta não pode ser punido
A solução para o equilíbrio fiscal do Brasil não virá da taxação do agro, mas da coragem política de enfrentar o desperdício, a máquina inchada, os incentivos perversos que fazem do Estado brasileiro um organismo insaciável. Tributar o agro é admitir que a criatividade acabou, e que a única saída é atacar quem produz.
Termino com um eco de Alexis de Tocqueville: “O Estado que quer tudo regular, tudo prover, tudo tributar, acaba por sufocar a própria sociedade que deveria proteger.”
A hora é de recuar, ouvir, construir. O Brasil precisa menos de decretos e mais de sabedoria. E sabedoria, como o campo, só floresce quando se respeita o tempo das coisas.
O Brasil que alimenta o mundo não pode ser tratado como vilão dentro de casa.
Que o governo ouça o campo — ou colherá as consequências da sua arrogância.