Por jornalista Pedro Ernesto Macedo
Há quem pense que a agricultura é apenas técnica, insumos e produtividade. Um erro recorrente de quem observa o campo apenas com os olhos da cidade. A lavoura é, antes de tudo, um espaço simbólico, onde se entrelaçam fé, ciência, esforço e memória. Cada plantio é uma narrativa de tempo profundo, e cada safra é um capítulo novo escrito pelo produtor rural com calos nas mãos e esperança no coração. A safra 2024/25, que se desenha com dificuldades evidentes no Noroeste do Paraná, nos obriga a refletir — mais do que sobre resultados, sobre o sentido de resistir diante da instabilidade climática, econômica e emocional que marca a vida no campo.
O clima, elemento invisível mas absoluto, tem sido um personagem imprevisível nesta temporada. O regime irregular de chuvas comprometeu o desenvolvimento da soja em diversas áreas, especialmente nas regiões que dependem de umidade bem distribuída para o ciclo reprodutivo da planta. Em alguns municípios, a estiagem prolongada seguida de chuvas torrenciais gerou não apenas perdas no florescimento, mas também a necessidade de replantio — um gesto que, por si só, representa muito mais do que um ajuste técnico. Replantar é um ato espiritual, é devolver à terra a confiança que a natureza parece momentaneamente recusar. E isso exige grandeza.
Em relatos de produtores de Floraí, Presidente Castelo Branco, Sarandi e Maringá, nota-se o cansaço diante das frustrações, mas também uma lucidez admirável. Eles sabem que o agro é cíclico, que o fracasso de uma safra não define a dignidade de um ofício, e que o solo, quando bem cuidado, sempre devolve com justiça aquilo que recebe com respeito. Mas mesmo com esse espírito resiliente, há dor nas entrelinhas: o aumento dos custos com insumos, a pressão por resultados e a ameaça das pragas — como a cigarrinha-do-milho e o percevejo-marrom — agravam ainda mais a fragilidade do cenário.
É nesse ponto que o jornalismo do agro não pode se calar. Precisamos ser mais do que observadores ou estatísticos. Devemos ser intérpretes de uma realidade complexa, e acima de tudo, dar voz ao produtor como sujeito histórico, e não apenas como número no relatório da Conab. É necessário alertar para a urgência de políticas públicas eficientes, de crédito rural desburocratizado, de apoio técnico sistemático, de extensão rural qualificada. A agricultura não pode continuar sendo tratada como um setor “sazonal” dentro do orçamento nacional: ela é estruturante, tanto economicamente quanto moralmente.
A segunda safra — popularmente conhecida como safrinha — avança agora sob o peso dessas incertezas. Muitos produtores arriscaram o milho novamente, tentando aproveitar a janela de plantio ainda viável em algumas áreas. Outros já ensaiam a migração parcial para culturas alternativas, buscando adaptação a um cenário climático que já não respeita os velhos calendários. A diversificação, que outrora era opção, passa a ser necessidade. E nesse ponto, o trigo começa a ressurgir como protagonista de inverno.
O trigo, historicamente relegado em certas regiões, volta a ganhar espaço não apenas pela remuneração, mas por seu valor estratégico. O Brasil, ainda dependente da importação para suprir sua demanda, encontra no Paraná solo fértil para mudar essa equação. Com novas cultivares, manejo adequado e segurança sanitária, o trigo pode ocupar um espaço de equilíbrio na balança econômica do produtor. A rotação com soja e milho, além de benéfica ao solo, representa um avanço técnico e filosófico: respeitar os ciclos da natureza é respeitar os limites da produtividade.
Mas no fundo, mais do que safras ou colheitas, estamos falando da condição humana. A agricultura nos ensina, todos os anos, que o controle absoluto é uma ilusão. Que o sucesso depende, sim, de técnica e planejamento, mas também de humildade, resiliência e uma certa espiritualidade silenciosa. O produtor rural é um filósofo da prática — ele vive a contradição de depender do tempo sem controlá-lo, de confiar na semente sem ver o fruto, de plantar hoje com fé no invisível.
Por isso, escrever sobre a safra 2024/25 não é apenas narrar um ciclo agrícola. É refletir sobre a condição de ser brasileiro em um tempo de instabilidade — e encontrar no campo uma metáfora poderosa de resistência, de trabalho silencioso e de esperança firme. Porque enquanto houver alguém que, mesmo diante da incerteza, insista em plantar — o Brasil terá futuro.